Eleito para seu quarto mandato como vereador, Abdu Neme (PR) se propõem a ser um médico não só de mazelas físicas, mas também sociais. Incumbido pelo prefeito Rafael Diniz de levar aos hospitais de Campos eficiência digital e abordagem humanista, o médico cardiologista se afastou da Casa de Leis em março para substituir Fabiana Catalani na secretaria municipal de Saúde e na Fundação Municipal de Saúde. Em entrevista exclusiva ao Jornal Terceira Via, ele fala dos desafios que enfrentou até o momento, das denúncias envolvendo os Hospitais Ferreira Machado, Geral de Guarus e São José e dos planos para o próximo ano e meio de gestão.
Abdu Neme fala, também, sobre como vem atuando para ampliar o acolhimento a pacientes de câncer em Campos. Ele mantém diálogo junto à Secretaria de Estado de Saúde (SES) para viabilizar a injeção de recursos adicionais em Unidades de Assistência de Alta Complexidade (Unacons) do município. Dois hospitais cumprem os requisitos estabelecidos em resolução publicada pela pasta no dia 16 de outubro de 2018: o Álvaro Alvim e Dr. Beda, que presta atendimento oncológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A despeito da previsão inicial de contemplar a ambos, porém, somente o primeiro teve garantida a possibilidade de receber este incentivo, que está diretamente relacionado ao aumento do serviço.
Como está sendo trocar a Câmara pela secretaria de Saúde?
É um grande desafio. Estou no meu quarto mandato consecutivo como vereador, são praticamente 16 anos na Câmara. Estava como vice-presidente da Casa, fazendo leis e atendendo às necessidades da população. Mas, sou médico e via coisas que precisavam ser implementadas na Saúde. Já são quase três meses no cargo, nos quais fizemos uma série de ajustes necessários. Tenho uma equipe muito boa, comprometida e uma série de questões estão sendo solucionadas para que a Saúde respire outros ares.
O senhor é o segundo secretário de Saúde do governo Rafael Diniz. Como encontrou a pasta?
Encontrei a Saúde com vários projetos em andamento, mas que precisavam ser ajustados, mas com muito cuidado, pois sabemos que o cenário do setor no Brasil é catastrófico. Além disso, estamos em um governo que tem dois anos, saiu de uma grande dificuldade financeira e ainda está e vivendo incertezas com relação aos royalties. Isso traz uma insegurança administrativa muito grande dentro de qualquer governo. Então, estamos adequando os projetos e otimizando recursos.
Qual foi o principal desafio até o momento?
Temos um município de quatro mil quilômetros quadrados, com uma densidade demográfica extremamente heterogênea. Você sai da sede e vai até Mata da Cruz, e vê uma necessidade. Em Santo Eduardo, o problema é outro. Junte a isso as dificuldades de mobilidade, decorrentes de um sistema de transporte público que vinha se deteriorando há anos. Então, é preciso reposicionar todas essas peças no tabuleiro. Estamos trabalhando pelo que é fundamental: o acesso à Saúde. Vamos ordenar a distribuição do atendimento médico nas unidades básicas para que a população tenha uma saúde de qualidade.
E para o próximo ano e meio?
Temos que tornar todos esses projetos realidade e vamos fazer o máximo para isso. Esse um ano é meio é muito importante para nós, para o governo e para a população também. Não queremos mudando a Saúde sozinhos. Queremos mudar a Saúde junto com a sociedade. Vamos construir uma nova Saúde para Campos, com a participação do campista.
A imprensa recebe, com frequência, denúncias envolvendo o Hospital Ferreira Machado (HFM) e o Hospital Geral de Guarus (HGG), geralmente envolvendo problemas estruturais e/ou falta de insumos e medicamentos. Como o senhor vê denúncias desse tipo? O que é feito para evitá-las?
Para que possamos dar a estas estruturas mais eficiência, precisamos, primeiro, de uma reforma administrativa. Estamos discutindo fazer um almoxarifado central e reduzir os setores administrativas dentro dos hospitais, para deixá-los mais livres para leitos e unidades de atendimento. Os setores administrativos vão trabalhar afinados e em um único local. Os hospitais contratualizados precisam atender a população de maneira ampla e não escolhendo serviços. Temos uma visão muito crítica do HFM. É uma instituição antiga, com estruturas envelhecidas. Foi criado como um sanatório. Então, precisa ser adequado ao trabalho de hoje. Até porque, nem o doente e nem o médico são iguais aos de ontem. O HGG está na mesma situação. Foi construído para ser uma policlínica e não para atendimentos de emergência. A Caixa Econômica Federal vai liberar uma verba que temos com eles para reestruturarmos o telhado, que é uma campana que aquece todo mundo que está embaixo. Será uma nova estrutura, com uma nova entrada. Quem observa o HGG hoje, vê que as crianças não entram mais pelo mesmo lugar que os adultos. Entram pelo lado direito. Temos uma enfermaria melhor, com ar-condicionado, uma recreadora e um ambiente lúdico. A humanização será uma marca do governo Rafael Diniz na Saúde. Vamos conseguir verbas para o HFM e para o HGG e adequar a estrutura. Ainda não é o que a gente espera, mas será melhor do que o que temos hoje.
E a Unidade Pré-Hospitalar (UPH) São José, em Goitacazes?
É uma obra que começou em 2011, com previsão inicial de entrega para 2013, e que vem tendo sua inauguração adiada sucessivas vezes. O que falta?
A inauguração de uma estrutura como a do novo São José não acontece de um dia para o outro. É preciso vontade política. Quem pegar os anais da Câmara, verá que aquela foi uma emenda particular minha. Brigamos e conseguimos motivar o governo passado a fazer a obra. Mas, no meio, houve outros interesses que não a inauguração da nova sede, porque dinheiro não faltava. Após assumir, Rafael Diniz quis visitar o antigo São José. Fomos, acompanhados do então Secretário de Estado de Saúde, Luiz Antônio Teixeira, que afirmou que a unidade é muito precária e tinha que ser fechada. O prefeito olhou para mim e falou: “e agora”? Minha proposta foi inaugurar o mais rápido possível. Mas, Rafael precisou adequar as finanças do município, porque pegou a casa desarrumada, e quando se tem pouco dinheiro, é preciso elencar prioridades. As prioridades eram colocar em dia os salários dos servidores e pagar as dívidas. Então, nós começamos a sonhar em fazer do São José uma realidade. É um local humanizado e confortável. Gostaria muito que meus colegas médicos o abraçassem, porque não adianta só a gente levantar paredes. A população está muito machucada e carente desse carinho.
O senhor vem trabalhando na implantação de distritos sanitários. Do que se trata?
Sempre tive a ideia de que a Saúde precisava ser mais regionalizada e é isso que estamos fazendo com os distritos sanitários. Em vez de termos dez postos de saúde fazendo mais ou menos a mesma coisa, teremos dez postos como referência em algum serviço e uma unidade de Saúde como referência destas dez. Então, você oferece um atendimento específico e toda estrutura para que o tratamento continue a partir dali. Estamos desenvolvendo o prontuário eletrônico, que vai integrar todas as unidades de saúde. Com isso, o paciente não vai mais pegar uma ambulância, despencar correndo das áreas mais distantes, achando que está tendo um infarto. Entre 45% e 50% das suspeitas de infarto não se confirmam. Vamos ter condições de ter esse diagnóstico no primeiro atendimento e deixar esses pacientes que não precisam de atenção especializada lá nos postos de saúde. Se for caso real de internação, haverá um leito preparado para recebê-lo. Isso vai nos possibilitar, também, saber o perfil médico de cada região — se há incidência de câncer ou hipertensão, por exemplo — e atendê-la de acordo. Claro que demanda trabalho e não acontece em curto prazo. Mas, nossa equipe está se reunindo praticamente toda semana. Os resultados virão.
O senhor falou sobre a incidência de câncer. Foi anunciada, recentemente, uma verba para o Hospital Escola Álvaro Alvim, relacionada à ampliação do tratamento da doença. Mas, segundo resolução da Secretaria de Estado de Saúde que estabelece o incentivo a Unacons e Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacons) fluminenses, há outra unidade de Saúde em Campos que deveria ter sido contemplada, o Hospital Dr. Beda, que faz atendimento de pacientes oncológicos pelo SUS. Como é a atuação do senhor nesse caso e como está a situação?
Temos que ter um olhar que não seja individualizado e nem político. Não podemos colocar o palanque antes dos interesses da população. Após assumir a secretaria, estive com o vice-governador, Cláudio Castro. Pedi que me encaminhassem todas as pendências que, por ventura, pudessem existir com o município de Campos para que tomasse as providências necessárias. Aí, para minha surpresa, vi o anúncio de que o Governo do Estado estaria liberando R$ 2 milhões para o Álvaro Alvim, mas não para o Dr. Beda. As duas unidades, assim como diversas outras no estado do Rio, constam da resolução publicada em 23 de outubro de 2018 e estão aptas a receber esse incentivo, que é de R$ 537.137,20 mensais para cada uma. Os valores seriam depositados até o mês passado, mas ninguém recebeu a verba ainda. Esse dinheiro possibilita aumentar o atendimento. Por exemplo: um unidade é contratada para fazer dez cirurgias e faz 15. Ela, então, recebe esse valor adicional, que é tabelado no anexo II da resolução.
É, então, uma forma de atender uma demanda por tratamento oncológico que fica reprimida por conta de limites da contratualização?
Sim. Estranhei, fui até eles e perguntei o seguinte: vocês conhecem o serviço que o Hospital Dr. Beda presta e eu gostaria de saber o motivo de ele não estar sendo contemplado com essa verba também. Disseram que houve um equívoco e pediram que eu encaminhasse alguns documentos para darem andamento no assunto, a fim de que todo o serviço prestado pelo Hospital Dr. Beda desde outubro do ano passado faça juz ao mesmo incentivo. Está tudo certo, praticamente resolvido. Estou satisfeito porque, como secretário de Saúde, tenho que olhar para todos os hospitais. Já pedimos ao Dr. Beda que mande toda sua produção e vamos encaminhá-la ao Estado. Isso deve gerar um recurso em média de R$ 1,8 milhão.
Que conquistas o senhor enumera até o momento?
Eu ia no HGG e via as pessoas segurando um frasquinho, com uma sonda, esperando atendimento para cálculo renal. Hoje, temos lá um centro de tratamento de doenças renais com laser. No outro dia o paciente está em casa. Não há isso no SUS em lugar nenhum. Fomos lá e entregamos 11 respiradores. As pessoas morriam sem aparelhos respiratórios. Agora tem. Levamos material para fazer cirurgias de catarata. Encontrei unidades ainda não tinham aparelho para eletrocardiograma. Não podemos admitir Santo Eduardo, por exemplo, sem eletro. Temos oftalmologista no São José, ultrassom intravaginal. O que a gente pode dar de melhor à população, vamos dar. E isso representa para mim, que sou médico, uma satisfação muito grande.
O senhor falou que está há quatro mandatos como vereador. O senhor vai tentar o próximo?
É uma pergunta boa. Preciso de companheiros que me ajudem a respondê-la. Esses dias estava olhando as leis que fiz nestes anos todos. Foi um tempo bom, mas a política não é mais a mesma. Hoje, ser vereador não é tão bom quanto já foi. Então, é difícil responder. Não sei, sinceramente. Tenho o maior prazer de estar sentado aqui e estar podendo ajudar. A satisfação nossa é poder ajudar. Às vezes a gente encontra situações muito difíceis. Mas a gente continua ajudando.
fonte: Terceira Via