Nos últimos anos, o Rio de Janeiro viu crescer uma nova frota nas ruas: os veículos de micromobilidade, pequenos, elétricos e silenciosos. São patinetes, autopropelidos e ciclomotores que prometem agilidade e baixo custo. Mas, junto à praticidade, veio também o risco. De janeiro a setembro deste ano, o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro atendeu 116 chamados por acidentes envolvendo esses meios de transporte. Ano passado foram 112.
Copacabana concentra o maior número de ocorrências: 17 casos em nove meses. No entanto, outros locais da cidade não estão isentos, já que há registros também expressivos em Botafogo (8), Ipanema (7), Campo Grande (5), Taquara (5), e em outros 46 bairros. Os registros incluem acidentes de trânsito, atropelamentos e até incêndios.
Nesse mesmo período, 30 vítimas de acidentes envolvendo veículos elétricos deram entrada nos hospitais de grande emergência da rede municipal. Um levantamento da Comissão de Segurança no Ciclismo do RJ mostra que esse número chegou a 2.199 em 2024.
Agenda do Poder esteve na orla da praia de Copacabana na última quarta-feira (15) e flagrou várias irregularidades. Entre elas, ciclomotores circulando pela ciclovia carregando vários pacotes — e os condutores, na maioria dos casos, não usavam capacetes. Usuários de patinetes elétricos andavam carregando outra pessoa, o que não é permitido.Copacabana concentra o maior número de ocorrências |
“Se considerarmos o contexto urbano do Rio de Janeiro, Copacabana é um bairro mais denso, que tem muitos serviços, muita gente morando, muito comércio e muita entrega. Então, é um bairro com quantidade de pessoas e visitantes muito grande. Além disso, concentra várias linhas de ônibus. Essa conjunção de fatores acaba tornando os conflitos viários nesse bairro maiores”, explica o arquiteto e urbanista Filipe Ungaro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O que é a micromobilidade?
A micromobilidade abrange meios de transporte leves e individuais, geralmente elétricos, usados para percorrer curtas distâncias. Entre eles estão as bicicletas elétricas com pedal assistido, os autopropelidos (patinetes, bicicletas com acelerador e monociclos) e os ciclomotores, que são os mais potentes e exigem emplacamento e habilitação.
“No Brasil, a micromobilidade teve um salto de 50% pós pandemia. Nós temos uma parcela do trânsito que fica mais vulnerável em relação aos veículos e aos transportes públicos. Essa tendência tem que vir acompanhada de políticas e infraestrutura, para que a gente consiga adaptar e acomodar esse fluxo sem problemas”, pontua Ungaro.
Esses veículos ganharam popularidade pela economia e pela facilidade de circulação em uma cidade marcada por congestionamentos. No entanto, sem infraestrutura e regulamentação local clara, o que deveria ser uma alternativa sustentável virou um risco urbano, como apontam especialistas.
“Isso é uma questão muito importante para a gente pensar uma visão do futuro, com medidas de adaptação por conta da própria característica desses veículos, que são menores, mais leves, não são poluentes quando elétrico, mas tem todo um parque de carregamento elétrico que tem que estar disponibilizado, infraestrutura de ciclovias, faixas específicas… E, atualmente, vemos que isso não ocorre”, reforça o professor.
A cidade que ainda não se adaptou
O Rio tem uma das maiores redes cicloviárias do país, mas ela foi projetada para bicicletas convencionais. Com a popularização dos veículos elétricos, cresceram os conflitos entre usuários, pedestres e motoristas. Na prática, patinetes e bicicletas elétricas disputam espaço em calçadas, ciclovias e até faixas de automóveis.
Quando olhamos a (quantidade de) ciclovia por habitante, ainda é muito baixo (o número). Já aconteceu um aumento muito expressivo desses veículos, e vemos nas ruas a todo momento. Os conflitos se dão com o tráfego motorizado e também com os pedestres. Há uma disputa deles, que não têm lugar próprio.Filipe Ungaro, arquiteto e urbanista
“É preciso priorizar os usuários vulneráveis, reduzir velocidades em áreas de conflito e adotar a gestão de tráfego por horário. A fluidez deve ser medida não apenas por velocidade média, mas também por segurança e qualidade do espaço público”, reforça ainda Glaydston Ribeiro, professor do programa de engenharia de transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
De acordo com o Conselho Nacional de Trânsito (Contran), as bicicletas elétricas podem circular em ciclovias e calçadas, com limite de 32 km/h — e 20 km/h no caso do Rio, segundo norma municipal. Já os ciclomotores, que podem chegar a 50 km/h, são proibidos de circular nesses espaços, devendo transitar nas vias comuns e ser conduzidos apenas por quem possui carteira de habilitação tipo ACC ou A (veja mais sobre as regras abaixo).Piloto conduz veículo na ciclovia e carrega várias caixas | Foto:
Sobre os limites de velocidade, o professor Ribeiro pontua: “De uma maneira muito prática, eu tenho algumas sugestões, por exemplo: zonas residenciais de 20 a 30 km/h; vias locais de 30 a 40 km/h, avenidas arteriais e vias arteriais segregadas até 50 km/h; em ciclovias protegidas até 30 km/h; e em faixas compartilhadas com PDS menos que 20 km/h”.
Em agosto, perfis de rede social comentaram em um vídeo publicado pelo prefeito da cidade, Eduardo Paes, pedindo medidas mais rigorosas sobre as fiscalizações desses veículos nas ciclovias e calçadas.
“Senhor prefeito, quando iremos ter ordem na circulação de veículos elétricos nas ciclovias? Bastou ser elétrico para poder rodar em qualquer lugar? Scooters elétricas andando a 50km/h nas ciclovias e calçadas… Está esperando uma tragédia? Não basta os inúmeros acidentes?”, escreveu um internauta.
“Exatamente. Fui atropelado por uma moto elétrica andando a milhão na ciclovia e ainda estou me recuperando. Nem a guarda nem a Seop fiscalizam a ciclovia”, respondeu outro perfil.
Aposentada atropelada por patinete elétrico
Em março deste ano, a aposentada Valéria Beato Costa Medeiros, de 61 anos, foi atropelada por um patinete elétrico que levava duas pessoas e trafegava na contramão em Ipanema, Zona Sul do Rio.
O caso aconteceu na Rua Vinícius de Moraes, quando Valéria atravessava a via. A aposentada fraturou o cotovelo e o punho. Ela também sofreu lesões na boca, joelho e no pé direito, precisando passar por cirurgia. Ao todo, as despesas com os cuidados chegaram a R$ 13 mil.Aposentada foi atropelada por um patinete elétrico | Reprodução
No mês passado, um ciclista que conduzia uma bicicleta elétrica ficou gravemente ferido após colidir com um carro na esquina das ruas Barata Ribeiro e Anita Garibaldi, em Copacabana. A vítima sofreu fraturas expostas e foi socorrida por equipes do Corpo de Bombeiros, sendo levada para um hospital da região.
O que diz a lei
De acordo com o Conselho Nacional de Trânsito (Contran), a regulamentação distingue três categorias:
Bicicletas elétricas: até 1.000 W de potência e 32 km/h de velocidade máxima, sem acelerador. Devem funcionar apenas quando o condutor pedala (sistema de pedal assistido) e não podem levar passageiros. Em versões esportivas, podem atingir até 45 km/h, mas apenas em vias ou competições autorizadas. No Rio, o limite para uso em ciclovias é de 20 km/h, segundo norma municipal. Essas bicicletas não precisam de habilitação, registro ou placa.
Autopropelidos: incluem patinetes, hoverboards, monociclos e bicicletas com acelerador. Têm limite de velocidade de 32 km/h e largura máxima de 70 cm, com distância entre eixos de até 130 cm. Não exigem habilitação, mas devem portar itens básicos de segurança, como campainha, velocímetro (inclusive via aplicativo) e sinalização noturna.
Ciclomotores: São veículos de duas ou três rodas, com motor a combustão de até 50 cilindradas ou motor elétrico de até 4.000 watts. A velocidade máxima de fabricação é de 50 km/h. Diferentemente dos demais, os ciclomotores devem ser registrados e licenciados junto ao Detran e precisam de placa e habilitação, seja na categoria A, a mesma das motocicletas, ou na ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotor).
Por lei, esses veículos não podem circular em ciclovias ou calçadas, devendo permanecer nas vias de trânsito comuns, obedecendo às mesmas regras aplicadas às motos.
Para o registro desses veículos, o proprietário deve apresentar documentação completa — nota fiscal, laudo de vistoria, certificado de adequação e identificação do motor.
O prazo de adaptação vai até 31 de dezembro de 2025.