Recuperação da estrutura, reparos nas redes elétrica, hidráulica e de esgoto, reforma no piso, substituição das telhas e reparação nos detalhes arquitetônicos – incluindo a recuperação do antigo relógio – que não funciona há anos. Tudo ficou no papel. Estes eram itens fundamentais da reforma do prédio histórico do Mercado Municipal de Campos. A reforma foi amplamente anunciada e deveria ter começado em 2013, com previsão de conclusão em cerca de um ano, mas não foi feita pelo atual governo. O projeto completo foi orçado em cerca de R$ 14 milhões e já havia os recursos disponíveis para as melhorias no espaço da feira livre, do prédio histórico e do camelódromo, conforme noticiado no site oficial da Prefeitura de Campos. No fim, tudo ficou limitado apenas à obra no espaço dos permissionários dos camelódromos.
O Mercado Municipal foi inaugurado em 15 de setembro de 1921, inspirado no Mercado de Nice, na França. Nas décadas de 40 e 50, o espaço era usado como ponto de encontro por figuras ilustres da cidade, como políticos e empresários. Na época, havia um grande espaço de circulação no entorno do prédio histórico, mas, com o passar dos anos, outras construções foram erguidas na área – o que é alvo de críticas até os dias atuais.
Projeto atual — o projeto de reforma aprovado e iniciado pelo atual governo municipal prevê a continuação dos camelódromos e da feira livre no mesmo local – o que foi duramente criticado por organizações como o Observatório Social de Campos, que entrou na Justiça contra a obra, alegando justamente o sufocamento e a desvalorização do prédio histórico.
“Não tem o que justifique um ato deste de violação de direito e de preservação de memória. O Mercado é um bem histórico tombado pelo município pela Resolução 05/2013. É uma aberração cultural o que está sendo feito pela Prefeitura com este projeto impróprio. Na verdade, todos os envolvidos deveriam responder criminalmente pela violação de um patrimônio cultural. A gente defende a preservação e restauração do Mercado Municipal, que é um bem histórico do patrimônio cultural de Campos, e que sejam removidos tanto a feira quanto o camelódromo do entorno do Mercado. O foco é a preservação do prédio”, garantiu o arquiteto e urbanista Renato Siqueira, diretor geral do Observatório Social de Campos.
Assim como Renato, o presidente da Associação de Imprensa Campista (AIC), Vitor Menezes, também representante da entidade no Conselho de Preservação do Patrimônio (Coppam), é contra a desvalorização do prédio histórico.
“O principal erro cometido nesta obra foi desconsiderar o valor histórico do prédio central e não aproveitar o seu potencial, que está escondido há anos. Não houve sequer uma audiência pública para que o município chegasse à atual obra, que por sorte das circunstâncias econômicas se arrastou e continua devagar, para não dizer parada. O projeto em execução atende a uma demanda prática e imediatista”, comentou Vitor.
“Solução há. O que precisa é um diálogo que não leve em consideração apenas interesses localizados. Entre tantos temas que o prefeito eleito de Campos, Rafael Diniz, poderá repactuar com a sociedade está o do Mercado Municipal. A oportunidade de não levar adiante o crime arquitetônico que se pretende, portanto, se mantém disponível. Basta ter coragem e capacidade de diálogo”, concluiu o presidente da AIC.
E se a esperança de uma melhoria no local depende do prefeito eleito, ele já garantiu que o assunto será tratado com a devida atenção. “Nosso momento é de transição e estamos buscando informações sobre a atual gestão. O Mercado Municipal é de extrema importância para a economia e a cultura de Campos e merece a nossa atenção especial. Após a nossa vitória, eu estive no Mercado, onde agradeci a confiança de todos e reafirmei o compromisso da nossa gestão”, afirmou Diniz.
O que pensam os trabalhadores do Mercado
Se por um lado a reforma e a valorização do prédio são uma unanimidade, por outro a separação dos comerciantes do Mercado Municipal dos feirantes que trabalham na feira livre (a área que fica entre o prédio histórico e o Parque Alberto Sampaio) é motivo de discordância. Isso porque os defensores da valorização do prédio histórico sugerem a separação, já os permissionários são contra. Outro problema é que os permissionários também não querem sair do local para a reforma.
“Esta obra deixa todos aqui apreensivos, porque é um trabalho que demanda tempo e a gente precisa manter o nosso movimento diário. Além de sair daqui, outro medo é que nos separem da feira livre, porque um comércio ajuda a impulsionar o outro. Porém, hoje não se fala mais da reforma do Mercado. A Prefeitura fala apenas da reforma do camelódromo, a reforma do Mercado foi falada em 2014, 2015... depois que ‘eles’ construíram aquele espaço ali perto da Ponte Leonel Brizola e perceberam que não há espaço pra todos nós, aí não falaram mais nada. A ideia da Prefeitura era juntar feira e Mercado, mas ali não dá nem pra feira”, explicou Victor Barreto, presidente da Associação dos Permissionários do Mercado Municipal.
Quem também não ouviu mais sobre a reforma é a permissionária Márcia da Flora. “Não falam mais nada com a gente sobre a obra. O que falaram no início é que a gente ia para aquele espaço construído na descida da Ponte Leonel Brizola, só que ali não cabe todo mundo e o Mercado não se separa da feira. Nem os permissionários, nem os feirantes aceitam se separar. Eu não vejo tanta necessidade das pessoas saírem daqui para a reforma. Com a obra do camelô a gente ficou meio isolado e o movimento piorou. Imagina se a gente sair agora? São muitas famílias que dependem daqui”.
A maior parte dos permissionários já trabalha no mercado há muitos anos e garante que o local não pode parar. “Eu aprendi aqui dentro a conviver com todas as classes e isso me faz muito bem. Eu vim trabalhar com o meu avô aqui quando eu ainda era adolescente. O Mercado, com todos os problemas que tem, ainda é um point de muitas pessoas. Eles precisam ver alguma forma de fazer a reforma sem fechar. A ideia da gente sair daqui não é boa pra ninguém”, afirmou Luiz Carlos Crespo, que tem 70 anos e é comerciante do Mercado Municipal há 55 anos.
O principal medo dos permissionários é o prejuízo financeiro que a obra pode trazer. “Esta obra do camelódromo já prejudicou muito o meu comércio. Eu tinha quatro funcionários e agora só tenho um. A tapagem ficou aqui na frente por anos. Aqui não precisa mais de reforma e sim de restauração e pra isso a gente não precisa sair daqui”, garantiu Leonício Rangel, permissionário do mercado há quase 30 anos.
Já a permissionária Solange Soares de Sousa acredita ser possível que a obra seja feita mesmo com os funcionários no local. “Já trabalho dentro do mercado desde que nasci há 55 anos. A gente queria que fizessem aqui igual a reforma do Mercado Municipal de São Paulo, que foi feita sem precisar parar o comércio e não prejudicou ninguém”, sugeriu.
A reportagem tentou contato com a Superintendência de Comunicação da Prefeitura de Campos em busca de respostas sobre a não conclusão da obra e também sobre as críticas ao projeto, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Fonte: Terceira Via