O governo de Cuba informou nesta quarta-feira que está saindo do programa social Mais Médicos no Brasil devido às declarações “ameaçadoras e depreciativas” do presidente eleito Jair Bolsonaro, que anunciou mudanças “inaceitáveis” ao projeto governamental.
Cuba tomou a decisão de solicitar o retorno dos mais de 11 mil médicos cubanos que trabalham atualmente no Brasil depois que Bolsonaro questionou a preparação dos especialistas, condicionou sua permanência no programa “à revalidação do diploma” e impôs “como via única a contratação individual”.
“Diante desta lamentável realidade, o Ministério da Saúde Pública (Minsap) de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa ‘Mais Médicos’ e assim o comunicou à diretora da OPS (Organização Pan-Americana da Saúde) e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam esta iniciativa”, anunciou a entidade em comunicado.
Após a decisão do governo cubano, Bolsonaro se manifestou pelo Twitter dizendo: "Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou."
Em novembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou o Mais Médicos e autorizou a dispensa da validação de diploma de estrangeiros ao julgar ações que questionavam pontos do programa federal, como acordo que paga salários mais baixos para médicos cubanos.
A atuação dos médicos cubanos no Brasil gera polêmica desde a criação do Mais Médicos. No entanto, o programa contrata profissionais de várias nacionalidades, e não apenas cubanos.
No Mais Médicos, pouco mais da metade – 8.556 dos 16.707 participantes – vêm de Cuba, de acordo com dados obtidos pelo G1. Todos os profissionais, independentemente do país de origem, precisam ter diploma de medicina expedido por instituição de ensino superior estrangeira, habilitação para o exercício da profissão no país de origem e ter conhecimento de língua portuguesa, regras de organização do SUS e de protocolos e diretrizes clínicas de atenção básica.
"Declaração do Ministério da Saúde PúblicaO presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Panamericana de Saúde.O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios solidários e humanistas que durante os 55 anos guiaram a cooperação médica cubana, participa desde o inicio de agosto de 2013 no Programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa Dilma Rousseff, na época presidente da República Federativa do Brasil, teve o nobre propósito de garantir assistência médica para o maior número da população brasileira, em consonância com o princípio da cobertura universal de saúde promovida pela Organização Mundial da Saúde.Esse programa previa a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar em áreas pobres e remotas daquele país.A participação cubana no mesmo é feita através da Organização Pan-Americana da Saúde e se distinguiu pela ocupação de lugares não cobertos por médicos brasileiros ou de outras nacionalidades.Nestes cinco anos de trabalho, cerca de 20 mil colaboradores cubanos atenderam 113.359.000 pacientes em mais de 3.600 municípios, atingindo cobertos por eles um universo de 60 milhões de brasileiros na época em que constituíram 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia, nos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal e municipal, estadual daquele país e de sua população, que concedeu 95% de aceitação, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com refetrências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, disse e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Pan-Americana da Saúde e o que esta acordou com Cuba, ao questionar a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título e como única forma de se contratá-los a individual.As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis e violam as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificadas em 2016 com a renegociação da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde eo Ministério da Saúde do Brasil e de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis impossibilitam a manutenção da presença de profissionais cubanos no Programa.Portanto, diante desta triste realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos e o comunicou à diretora da Organização Pan-Americana da Saúde e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam essa iniciativa.Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países. Em 55 anos, 600 mil missões internacionalistas foram realizadas em 164 países, envolvendo mais de 400 mil trabalhadores de saúde, que em muitos casos cumpriram essa honrosa tarefa em mais de uma ocasião. Destacam-se as façanhas da luta contra o ebola na África, a cegueira na América Latina e no Caribe, a cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias "Henry Reeve" no Paquistão , Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.Na esmagadora maioria das missões concluídas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Da mesma forma, em Cuba, 35.613 profissionais de saúde de 138 países foram treinados gratuitamente, como expressão da nossa solidariedade e vocação internacionalista.Os funcionários foram mantidos em todos os momentos do trabalho e 100% de seu salário em Cuba, com todas as garantias trabalhistas e sociais, como o resto dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde.A experiência do Programa Médicos do Brasil e a participação cubana demonstram que um programa de cooperação Sul-Sul pode ser estruturado sob os auspícios da Organização Pan-Americana da Saúde para promover seus objetivos em nossa região. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial da Saúde qualificam-no como o principal exemplo de boas práticas na cooperação triangular e na implementação da Agenda 2030 com os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.Os povos da nossa América e do resto do mundo sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária de nossos profissionais.O povo brasileiro, que fez do Programa Mais Médicos uma conquista social, que contou desde o início com os médicos cubanos, aprecia suas virtudes e aprecia o respeito, sensibilidade e profissionalismo com que o atenderam, poderá entender sobre quem recai a responsabilidade que nossos médicos não podem continuar fornecendo sua contribuição solidária nesse país.
Havana, 14 de novembro de 2018".