A empresa Gabriel Tecnologia, responsável pela instalação de sistemas de videomonitoramento no Estado, terá até o fim deste ano para retirar mais de 400 câmeras instaladas em vias públicas do município do Rio de Janeiro, devido a irregularidades como, por exemplo, obstrução de vias. A informação foi divulgada pelo secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento, Gustavo Guerrante, durante reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Câmeras, realizada nesta segunda-feira (11/08), na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A CPI investiga a implementação e o funcionamento de sistemas de câmeras em locais públicos – só na cidade do Rio são cerca de três mil equipamentos de videomonitoramento.
Segundo o fundador e diretor executivo da Gabriel Tecnologia, Erick Coser, a empresa já iniciou o processo para cumprir a determinação. “As câmeras ainda estão ligadas e o serviço segue sendo prestado, mas já estamos trabalhando para o desligamento. Esse é um processo demorado, não é algo simples”, afirmou.
A justificativa, no entanto, não convenceu o presidente da CPI, deputado Alexandre Knoploch (PL). “A empresa admite a infração e alega que a retirada é complexa, mas, na hora de instalar, isso é feito rapidamente. Não faz sentido a remoção ser tão demorada assim”, disse o parlamentar.
Guerrante explicou que a decisão da Prefeitura do Rio ocorreu após notificações e a aplicação de, pelo menos, cinco multas à empresa, motivadas por irregularidades na utilização do sistema de câmeras na cidade. Ele destacou que a prefeitura possui seu próprio sistema de monitoramento, o Civitas, e que empresas privadas precisam de autorização da Comissão de Vias Públicas para instalar equipamentos em áreas públicas.
“Essa comissão avalia critérios como obstrução da passagem, adequação do local para visualização, infraestrutura disponível e impacto no ambiente urbano. A solicitação de retirada de 400 câmeras se deu devido à interferência excessiva de alguns equipamentos em vias públicas, detectada desde 2023. As autorizações foram dadas pela Secretaria Municipal de Conservação”, afirmou o secretário.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alerj, deputado Rodrigo Amorim (União), que participou da reunião, solicitou a convocação do secretário municipal de Conservação, Diego Vaz, responsável pela Comissão de Vias Públicas. “Já que todas as câmeras da Gabriel receberam autorização prévia, precisamos entender quais critérios foram utilizados e se há algum tipo de seletividade, já que a empresa detém a maior parte dos equipamentos instalados no município”, questionou. A proposta foi aprovada pelos integrantes da CPI.
Informações compartilhadas com a PM
Durante a reunião, o diretor executivo da Gabriel Tecnologia também afirmou que o diferencial da empresa é a integração do sistema de dados com a segurança pública estadual, fornecendo informações à Polícia Militar do Rio gratuitamente e de forma imediata, mediante solicitação oficial. A empresa também está conectada ao centro de comando do 190.
Parlamentares, no entanto, questionaram o motivo de uma empresa privada disponibilizar gratuitamente um serviço de alto custo ao poder público e destacaram que a integração permite acesso a informações sigilosas da corporação. Segundo Coser, quando há interesse em um veículo específico, a PM envia um ofício e a empresa fornece imagens em tempo real.
“A empresa tem uma relação preocupante com o poder público acessando dados sigilosos. A ausência de explicações claras sobre a tecnologia de leitura de placas levanta suspeitas de violação de dados pessoais. Estamos vivendo um ‘Big Brother’ sem consentimento e garantias de privacidade”, afirmou Knoploch.
O deputado Luiz Paulo (PSD) defendeu a criação de uma regulamentação estadual para empresas de videomonitoramento. “A Polícia Militar precisa apresentar um projeto para regulamentar essa prática. Além disso, essa integração deve abranger os 92 municípios do Estado, e não apenas a capital. A Gabriel atua em uma lacuna que o Estado não está suprindo e isso precisa ser revisto”, disse.
Criada em 2019, a startup Gabriel funciona no Rio desde 2021, atendendo a condomínios na capital. De acordo com Coser, as câmeras são instaladas em áreas residenciais, sem uso de dados biométricos ou captação de áudio. Ele afirmou ainda que imagens podem ser cedidas a vítimas de crimes, mediante apresentação de boletim de ocorrência, sempre respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).
Proteção de dados
Advogada e especialista em proteção de dados, Raquel Rinalda ressaltou a importância da transparência na coleta e no uso de informações por empresas que operam câmeras em vias públicas. Segundo ela, é necessário esclarecer qual é a base legal para obtenção dos dados, por quanto tempo eles são armazenados, em qual banco ficam guardados e se é exigido o consentimento do titular.
“Placas de veículos também são dados pessoais. É preciso saber se existe convênio, decreto ou algum instrumento formal de um órgão público que autorize esse compartilhamento”, disse.
Raquel destacou que, mesmo que a empresa alegue prestar serviços apenas para clientes privados, o fato de os equipamentos estarem instalados em espaços públicos exige mecanismos de controle e acesso às informações pelos cidadãos. “Os dados pertencem sempre ao titular e não a quem os coleta. É direito do cidadão ter acesso às imagens e saber qual tratamento é dado a elas”, observou.
Também participaram da reunião os deputados Alan Lopes (PL), Sarah Poncio (PL), Douglas Gomes (PL) e Professor Josemar (PSol).