(Foto: Ralph Braz | Pense Diferente) |
Passados três meses da tragédia que provocou a morte de 234 pessoas, três famílias ainda vivem o drama da falta de notícias de parentes desaparecidos durante o temporal de 15 de fevereiro. Heitor Carlos dos Santos, de 61 anos e Pedro Henrique Braga, de 8 anos, estavam nos ônibus arrastados pela enxurrada na Rua Washington Luiz e desapareceram nas águas; Lucas Rufino, de 21 anos, foi soterrado em um deslizamento no Morro da Oficina, onde dezenas de casas foram destruídas e mais de 90 pessoas morreram. Lucas saía de casa com o pai Adalto Vieira da Silva, quando foi atingido e arrastado pela avalanche de terra e pedras. Quase 90 dias após o temporal, o dia da tragédia permanece em aberto para as três famílias que esperam por notícias de seus parentes.
Rafaela Braga, que estava no ônibus e sobreviveu à enxurrada, sofre todos os dias com a falta de notícias do filho caçula, Pedro Henrique, de 8 anos. Há mais de 30 dias ela aguarda pelo resultado de um exame de DNA para verificar a compatibilidade com um corpo encontrado em março, no Rio Piabanha, no distrito da Posse - há mais de 45 quilômetros do local do acidente.
“Estamos sofrendo demais com tudo isso. Choro todos os dias pensando onde está o corpo do meu filho. É uma ferida que está aberta e que não cicatriza, é como se fosse cutucada todos os dias. A única coisa que queremos é encontrar o corpo do meu filho para podermos dar um enterro digno a ele”, conta, lembrando que durante a enxurrada ainda tentou segurar Pedro para que os dois conseguissem se salvar. “Fomos arrastados e chegou uma hora que não consegui mais segurar ele”, lembra. Na última quinta-feira ela esteve mais uma vez no IML e na delegacia buscando respostas sobre o DNA do filho. “Na delegacia o policial ligou para buscar informações e disseram que o resultado ainda não saiu e que está dentro do prazo que nos deram que é entre 45 e 90 dias. Para nós está sendo muito difícil, estou com depressão, tem dias que não consigo dormir e, mesmo com os remédios, tem horas que eu não aguento e desabo, como aconteceu no IML na quinta”, explica, fazendo um apelo às autoridades.
“Que as autoridades possam se aprofundar mais para dar uma resposta, não apenas para nossa família, mas também para as outras que têm ainda parentes desaparecidos; aquele senhor que também estava no ônibus, o rapaz soterrado, enfim, para todos nós, pois estamos sofrendo muito”, desabafa.
Famílias se sentem abandonadas
A sensação de abandono é a mesma entre os parentes de Heitor Carlos dos Santos. “A situação que estamos vivendo é angustiante e triste demais. Estamos há três meses sem notícias. Sabemos que não há um trabalho efetivo de buscas, o que nos entristece ainda mais. Há diversos pontos de formação de bancos de areia dentro do rio. O corpo do meu tio pode estar em qualquer ponto do Rio Piabanha.Não tivemos e não temos nenhum apoio da empresa Petro Ita, assim como as demais famílias daqueles que estavam nos ônibus, nem das autoridades competentes. Resumindo, não temos resultados de nada. O que nos resta é a dor de tê-lo perdido e não poder sepultá-lo dignamente”, desabafa Jaqueline Noronha, que é sobrinha de Heitor.
Em nota, “a Petro Ita esclarece que, assim como seus colaboradores, passageiros e toda a população petropolitana, a empresa também foi vítima de uma catástrofe natural imprevisível, jamais vista nesta proporção no município, com perdas trágicas e prejuízos incalculáveis. Somente no início da madrugada após a catástrofe natural, que a empresa e todos os órgãos conseguiram acesso ao local em que os ônibus foram arrastados. Na ocasião, não havia nenhuma pessoa nos coletivos, não sendo possível identificar, de fato, quem eram todos os passageiros”.
“A Petro Ita ainda esclarece que, mesmo após inúmeros esforços, não foi possível recuperar as imagens das câmeras de monitoramento dos ônibus, que foram completamente destruídas. O Setranspetro e as empresas de ônibus de Petrópolis lamentam e se solidarizam com todas as vítimas das chuvas que atingiram o município. Por fim, a Petro Ita reforça que os procedimentos de emergência foram perfeitamente adotados, com a utilização das janelas de emergência e abertura das portas, essenciais para que muitos passageiros fossem salvos. Inclusive, o empenho dos profissionais da empresa no resgate aos passageiros pode ser comprovado através do depoimento dos sobreviventes que estavam nos ônibus”.
Em relação às buscas, a assessoria do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro informou que “o Corpo de Bombeiros RJ segue à disposição caso haja novas informações e/ou solicitações relacionadas ao evento.A corporação também informa que na ocasião atuou em 100 pontos de buscas simultâneos, contou com cerca de 60 cães farejadores e realizou buscas numa área equivalente a mais de 10 hectares (100 mil metros quadrados), com apoio de drones, helicópteros e máquinas. O Corpo de Bombeiros RJ também percorreu mais de 40 km de rios em busca de vítimas”, diz a nota.
Pai de Gabriel atuou com voluntário e quer criar instituto para falar de prevenção
Os últimos três meses também foram de muito sofrimento para a família de Gabriel Vila Real da Rocha, de 17 anos. Gabriel é o rapaz que aparece em imagens ajudando passageiros a sair de um dos ônibus arrastados e foi levado pela enxurrada. O corpo de Gabriel foi encontrado quase uma semana depois no Centro. O exemplo de solidariedade de Gabriel é o que dá forças ao pai, Leandro Rocha que continuou nas buscas pelos demais desaparecidos e hoje quer se dedicar às causas humanitárias.
“Tenho contato com as outras famílias e tenho esperança de que serão encontrados. A Rafaela está esperando pelo resultado do DNA do Pedro, o Adalto ainda procura pelo Lucas e ainda tenho também esperança de encontrarmos o sr. Heitor para que a mãe dele, uma senhora idosa, consiga enterrar o corpo do filho”, diz Leandro, que tem a intenção de criar um instituto com o nome de Gabriel para disseminar a importância da prevenção.
“Minha vida mudou totalmente depois do que aconteceu com meu filho. Eu trabalhava com fabricação de móveis e hoje quero me dedicar somente às causas sociais. Vou iniciar um trabalho com a Defesa Civil nas comunidades e em paralelo estou organizando a criação de um Instituto com o nome do Gabriel para divulgarmos a importância da prevenção, orientar as pessoas sobre como agir nestes casos, cobrar a criação de protocolos, enfim, para que se possa evitar que outras famílias passam pelo que estou passando hoje”, explica Leandro Rocha.
Questionada, a prefeitura respondeu: "A Prefeitura informa que por meio das Coordenadorias Especial de Articulação Institucional e de Direitos Humanos realizou reuniões específicas com as famílias dos desaparecidos, na sede da Prefeitura, assim como no Corpo de Bombeiros. O objetivo foi de estreitar o relacionamento e esclarecer como as buscas estavam sendo realizadas. O canil da Guarda Civil foi empenhado nas buscas. Além disso, também foi oferecido atendimento psicológico para todos os familiares e vítimas das chuvas ocorridas nos dias 15 de fevereiro e 20 de março".
Fonte: Diário de Petrópolis