(Foto: Ralph Braz | Pense Diferente) |
Campos dos Goytacazes ficou conhecida popularmente como a cidade das bicicletas por ser plana e, por isso, favorável ao uso deste meio de transporte. Seja por economia ou por saúde, o veículo sustentável faz parte da rotina de muitos campistas. No entanto, a estrutura precária das ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas preocupa ciclistas, que não se sentem seguros ao transitar pela cidade. O tema já foi pauta no Jornal Terceira Via, em março de 2017, mas a situação permanece a mesma. O município ainda registra alto índice de acidentes envolvendo ciclistas, com 1.011 ocorrências apenas nos 10 primeiros meses deste ano, segundo o Hospital Ferreira Machado. Isso dá, em média, três acidentes por dia.
O dado foi levantado pelo HFM em 26 de outubro e não acrescenta, ainda, os últimos cinco dias do mês. Em 2020, no mesmo período, foram registrados 1.013 acidentes envolvendo ciclistas, mantendo a mesma média de três acidentes por dia. Já em dado levantado na matéria de 2017, a média de acidentes era de um ciclista a cada 3,5 dias, o que demonstra crescimento no número de ocorrências nos últimos quatro anos. Segundo o instrutor especialista em Trânsito do Sest/Senat, Eduardo Dias Lugão, os acidentes envolvendo ciclistas são um somatório de diversos problemas recorrentes.
Desrespeito | Veículo invadiu a ciclofaixa na Avenida Alberto Torres (Foto: Carlos Grevi)
“Primeiro, o desrespeito do próprio condutor com o ciclista. Um ponto muito importante também é que o ciclista, muitas vezes, se coloca em risco, não respeitando a legislação de trânsito. O ciclista tem que entender que a bicicleta é um veículo não motorizado, ou seja, é um veículo de propulsão humana, mas deve seguir todas as regras de circulação determinadas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB)”, esclarece.
O ciclista Ari dos Santos Junior é adepto da prática esportiva com a bicicleta, mas se sente inseguro no tráfego da cidade. Segundo Ari, Campos não oferece locais específicos para treino de ciclismo, então, o recurso é pedalar por vias mais abertas. Ele ainda conta que já se acidentou em uma dessas vias. “Eu estava treinando na Arthur Bernardes e tive um acidente, em que uns rapazes à minha frente caíram e eu caí logo atrás. Nós demos muita sorte, porque não estava passando nenhum carro na hora, já que é uma via movimentada e estávamos treinando na pista aberta, por não haver local de treinamento na cidade”, disse Ari.
Segundo o ciclista, mesmo em locais direcionados para o tráfego de bicicletas, a estrutura não é boa e dificulta o acesso a muitos lugares, pois não há espaços suficientes reservados para a passagem de ciclistas. “Campos é uma cidade que tem muitos ciclistas, mas as condições são péssimas. Não tem ciclovias suficientes, as ruas são muito esburacadas. Então, a gente sofre um pouco com isso”, explica Ari.
Acidente | Faísca caiu ao bater em um buraco na Avenida Arthur Bernardes (Foto: arquivo pessoal)
A falta de manutenção e estrutura precária das vias foram as reclamações feitas pelo professor de Educação Física, Willian Faísca, que também se acidentou enquanto pedalava. “Eu estava na ciclovia da Avenida Arthur Bernardes e, no momento em que fui sair da ciclovia para atravessar a pista, bati em um buraco e caí com a cabeça no chão. Eu cheguei a desmaiar e a sorte foi que não estava vindo carro no momento. Com o impacto, o meu capacete quebrou e me livrou de algo pior”, desabafa.
De acordo com o Arquiteto e Urbanista Renato Siqueira, apesar do grande fluxo de bicicletas no município, a infraestrutura dos trechos direcionados aos ciclistas não é adequada. “A malha viária existente é composta por ciclovia, ciclofaixa e ciclorrota – esta última é compartilhada com a faixa de rolamento dos veículos – entretanto, é insuficiente às demandas. Além disso, há descontinuidade e desconexão, que resulta em uma infraestrutura mal qualificada”, explica.
Ajustes necessários
Ao observar as ciclovias do município, Renato Siqueira ainda justifica o motivo de sua analise. “Por exemplo, a ciclovia da Avenida 28 de Março não se conecta à ciclofaixa da Avenida José Alves de Azevedo (Beira-valão); a ciclofaixa da Rua Prefeito Edgard Machado (Parque Leopoldina) não leva a lugar nenhum. Em outros dois eixos de deslocamento por bicicleta, as pontes Barcelos Martins e Saturnino de Brito, sequer há malha cicloviária”, acrescenta.
(Foto: Silvana Rust)
Os pontos abordados pelo arquiteto e urbanista são os mesmos que foram citados no ano de 2017, em que a cidade já se encontrava com falha no plano viário, com ciclovias e ciclofaixas insuficientes, falta de manutenção periódica nas estruturas de trânsito, além dos riscos constantes aos ciclistas, sem espaços adequados para circular e escassez de bicicletários.
A falta de estrutura adequada é um dos questionamentos do auxiliar de atendimento Paulo Henrique de Oliveira, que utiliza a bicicleta como seu principal meio de transporte. Ele conta que não se sente seguro ao transitar pela cidade. “Faço tudo de bike! A bicicleta, hoje, são as ‘minhas pernas’; só utilizo outro veículo para lugares aonde não consigo ir com ela. Nosso trânsito é muito intenso, sem contar o número de buracos e falta de sinalização e, muitas vezes, preciso disputar espaço com carros e motos. O número de ciclofaixas ainda é insuficiente, principalmente porque são muitos ciclistas na cidade”, conta.
Já o técnico em mecânica Rafael Viana diz que as condições das ciclovias e ciclofaixas são aptas, se comparadas a outras cidades que não possuem nada. Entretanto, precisam de manutenção. “Tendo em vista que muitas cidades não possuem nenhum espaço reservado para ciclistas, considero as ciclovias e ciclofaixas aptas. Contudo, assim como as rodovias, carecem de manutenção”, disse.
Planejamento
Ciclovia da Avenida 28 de Março (Foto: Carlos Grevi)
Segundo o Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT), o município possui um total de 50 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas e já há um projeto de expansão em andamento, para atingir mais 60 quilômetros de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas e, também, um projeto para instalar, inicialmente, 900 vagas de bicicletas, pois Campos conta, atualmente, com cerca de 200 vagas de paraciclos em pontos estratégicos da cidade. Ainda segundo o IMTT, um novo projeto está sendo finalizado, com o objetivo de requalificar e conectar toda a infraestrutura existente.
“Neste projeto há previsão de readequação do pavimento, da sinalização e da conexão entre ciclovias e ciclofaixas, bem como especial atenção aos cruzamentos. Paralelo, o IMTT está preparando um projeto de lei a ser encaminhado para a Câmara, estabelecendo um estatuto da bicicleta no município, para um melhor ordenamento e segurança aos ciclistas. O órgão aguarda a aprovação do projeto por parte da Caixa Econômica para a revitalização de toda a ciclovia da Avenida 28 de Março”, disse o IMTT.
Orientações para um trânsito seguro
Ciclovia da Avenida 28 de Março (Foto: Carlos Grevi)
Além da necessidade de melhorias nas ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, Eduardo Lugão, do Sest/Senat enfatiza a importância de cuidados ao circular pela cidade, além da educação no trânsito. “As regras do CTB também precisam ser seguidas pelos ciclistas, como andar no mesmo sentido da via, próximo à calçada; é importante não se aproximar de veículos pela direita, principalmente se houver uma entrada à direita, porque ele acaba ficando em um ponto cego e, muitas vezes, o veículo perde a visibilidade e o acidente acontece”, disse. Segundo o instrutor, a educação no trânsito precisa ser estendida também a pedestres e crianças, pois a responsabilidade do trânsito seguro é de todos.
Eduardo explica, ainda, que o número de ciclistas aumentou durante a pandemia e alguns cuidados são necessários ao pedalar. “Desde o início da pandemia, a bicicleta foi a alternativa para as pessoas continuarem se exercitando, já que a maioria das academias fechou. Ela também começou a ser utilizada como meio de transporte para o trabalho, já que é mais seguro do que estar aglomerado em ônibus. As pessoas se acostumaram a fazer uso com maior constância, mas o ciclista tem que entender que alguns cuidados são importantes, como usar roupas refletivas à noite, para que possa ser visto; colocar luzes na sua bicicleta, além de utilizar equipamentos de segurança necessários, como cotoveleira, luvas e capacetes”, orienta.
Ciclofaixa da Avenida Alberto Torres (Foto: Carlos Grevi)
O técnico em mecânica Rafael Viana utiliza a bicicleta diariamente, mas busca tomar cuidados ao sair de casa, ficando sempre atento e consciente aos acontecimentos ao seu redor. “Sempre espero pelo pior dos motoristas e nunca confio neles. Além disso, busco conhecer bem o trajeto que farei e quais são os cruzamentos mais perigosos. Sempre aguardo o contato visual do motorista antes de atravessar, mesmo na faixa, para ter certeza de que estou seguro na travessia. Não desenvolvo altas velocidades fora da ciclovia e fico atento aos novos buracos e obstáculos no chão. Também me preocupo com a manutenção da bike, que precisa estar em dia, com freio e calibragem dos pneus”, finaliza o técnico.
Entenda:
Ciclovias – Espaço totalmente segregado, de circulação exclusiva de ciclistas. É separada fisicamente do tráfego dos demais veículos.
Ciclofaixas – Espaço delimitado na própria pista (junto com os demais veículos), calçada ou canteiro, exclusiva aos ciclistas.
Ciclorrotas – Espaço compartilhado: calçada, canteiro, ilha, passarela, via de pedestres, faixa ou pista, sinalizadas, em que a circulação de bicicletas é compartilhada com pedestres ou veículos.
Fonte: Terceira Via