quarta-feira, 16 de julho de 2025

Casarões abandonados ou em mau estado são desapropriados no Rio


O Centro do Rio de Janeiro ganha um reforço de peso na tentativa de impedir que seus casarões históricos virem ruínas. As raízes lusitanas da ex-capital do Império são representadas pelos vários sobrados com seus detalhes em ferro, cantarias de pedra e portas coloridas, mas muitos deles não possuem titularidade regular, ou se encontram necessitando de reparos urgentes, sem contar os que já se arruinaram. Recuperar este patrimônio cultural virou um dos objetivos maiores do projeto de revitalização do Centro. Assim, a prefeitura publicou nesta quarta-feira, dia 16, o decreto que cria o Reviver Centro Patrimônio Pró-Apac, estabelecendo regras, incentivos e instrumentos legais para a recuperação de imóveis abandonados em 9 áreas definidas, que foram mapeadas e apresentadas na apresentação no Sinduscon.

O decreto 56396/25 da Prefeitura, publicado hoje no Diário Oficial, prevê a desapropriação de imóveis degradados e sua transferência para arrematantes que sejam empresas privadas por meio de hasta pública – ou seja, irão a leilão. Além disso, quem reformar os prédios terá direito a subsídios de até R$ 3.212,00 por metro quadrado, pagos em parcelas conforme o avanço da obra. Tudo isso sujeito ao controle municipal, mais ou menos como ocorre com o bem-sucedido programa Reviver Cultural, que subsidia atividades culturais que se instalam na região do Centro do Rio. O decreto destaca a importância “histórica, urbanística e cultural” do casario do região Central, que vem crescendo em atenção da mídia, influencers de redes sociais e centros culturais.

“Uma das grandes vantagens do programa será a reorganização fundiária”, explica Lucy Dobbin, da Sergio Castro Imóveis. A executiva de vendas explica que muitas vezes há clientes e interessados para comprar o casario, mas a documentação muitas vezes é ruim, os proprietários são vários, e há problemas com cadeias sucessórias, inventários, firmas falidas há décadas, donos desaparecidos e até mesmo imóveis que, embora urbanos, “não possuem matrícula de registro de imóveis ainda, em pleno século 21“, conta. Dobbin diz que muitos negócios não são fechados por conta da documentação, ou acabam sendo feitos informalmente em contratos de gaveta que nunca são levados a registro pois “a confusão não permite a venda formal, afastando grandes investidores e fundos imobiliários“, explica.


O primeiro lote a ser leiloado começa logo depois da Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Paula, no Largo de mesmo nome, e vai pelo largo até o final da rua do Teatro, fazendo esquina com a Praça Tiradentes, bem em frente ao Gabinete Português de Leitura. No local, há um monte de ruínas que foram transformados em estacionamentos em sua maioria ilegais. Há poucos anos ficou famoso o episódio em que o então Secretário de Planejamento Urbano Washington Fajardo tomou uma “corrida” de milicianos ao tirar foto de um dos parqueamentos ilegais da região. Há uma lei de 2021 que proíbe terminantemente o uso de imóveis históricos como estacionamento, mas a lei é ignorada na região, sem qualquer tipo de fiscalização da Prefeitura. Ninguém confirmou ainda, mas fala-se nos bastidores que o lote pode ser leiloado por inteiro.

Nós sempre acreditamos que não existe uma bala de prata ou uma solução única para o sucesso da revitalização do Centro”, afirmou ao site Tempo Real Claudio Hermolin, presidente do Sinduscon-Rio, lembrando das etapas anteriores do programa, como o Reviver Centro 1 e 2, voltados para habitação, e o Reviver Cultural, focado na ocupação de lojas. “São regiões repletas de casarões abandonados, degradados, com risco de causar acidentes e de desmoronar, como infelizmente já aconteceu recentemente, causando, inclusive, a morte de uma pessoa”, destacou Hermolin.

Os responsáveis pelo projeto fizeram uma Consulta Pública que durou até o fim do mês em que o grande público pode cadastrar imóveis que se enquadravam nas características do programa, abandonados, em mau estado ou em ruínas. Segundo informações da CCPAR, teriam sido cadastrados mais de 400 imóveis nas 9 regiões pré estabelecidas pela prefeitura para receber as indicações. O passo seguinte seria verificação da real situação dos imóveis e sua avaliação pela Procuradoria Geral do Município, para embasar os futuros leilões. Também se aguarda que a Prefeitura defina os lotes de imóveis nas demais regiões, além da região do Largo de São Francisco de Paula, cuja desapropriação foi publicada hoje no Diário Oficial, sendo assim escolhida como a primeira a ser colocada à disposição dos atores do mercado imobiliário interessados na compra. que pode terminar sendo a maior revolução positiva do patrimônio cultural carioca.



Fontes do Mercado Imobiliário citam preocupação com as exigências dos órgãos de patrimônio para os restauros a serem realizados pelos arrematantes, assim como com a avaliação dos sobrados, tendo em vista o grave problema da hiper-avaliação dos imóveis do Centro do Rio de Janeiro pela Prefeitura, fato que já foi alvo de uma grande discussão do Conselho de Renovação do Centro do Rio de Janeiro. Proprietários da região clamam por uma revisão da planta geral de valores de IPTU no Centro, por haver casos de imóveis sendo avaliados a mais de 500% do valor de mercado. Os valores de IPTU são calculados a partir de uma cesta de índices e valores que leva em conta o valor venal dos prédios, ou seja, o valor que a cidade atribui a cada imóvel se encontra muito superior à realidade na região. O medo seria que estas avaliações de IPTU atrapalhassem as avaliações destes sobrados e ruínas, prejudicando o novo programa ProApac oficializado pelo decreto de hoje.

O belíssimo sobradão de 1400m2 onde funcionou o Hotel Aymoré, no Centro do Rio de Janeiro, é um exemplo importante da defasagem dos valores atuais dos sobrados históricos na localidade. Localizado nas imediações da Praça da Cruz Vermelha, com mais de 50 quartos e uma enorme frente de rua, o prédio foi vendido mês passado a um grupo hoteleiro carioca por menos de R$ 600.000,00, segundo escritura pública à qual o DIÁRIO teve acesso. E o problema não está restrito aos sobrados: foi recentemente vendida a antiga sede da IBM, na avenida Presidente Vargas, totalmente retrofitada nos anos 2000, com 20.000m2, a menos de 18 milhões de reais. Longe de ser um casarão em ruínas, o prédio todo envidraçado foi vendido a menos de R$ 1.500,00 por metro quadrado.


Pensando de certa forma na disparidade de avaliações, o decreto também prevê que a Prefeitura do Rio fica responsável por eventuais diferenças que forem apuradas, caso as avaliações por ela feitas para a finalidade de realizar o leilão sejam mais baixas do que almejam os proprietários e eles decidam buscar eventual reparação judicial por uma suposta diferença a seu favor. Se ganharem, será a municipalidade e não o comprador arrematante que deverá indenizar o ex-dono de eventual diferença a seu favor.


O novo decreto também estabelece punição para quem não cumprir o acordo: caso a empresa contemplada pelo projeto arremate prédios e não realize a reforma do imóvel arrematado, a propriedade volta para o município. Também prevê a necessidade de algumas garantias.


A lista de imóveis fa ser desapropriada foi definida a partir de um levantamento das secretarias municipais de Urbanismo e Desenvolvimento Econômico, em parceria com a sociedade civil, que respondeu ao chamamento público e efetuou o cadastro de centenas de casarões, dentro das áreas definidas anteriormente. A meta de todos é acelerar a transformação do Centro, integrando a reabilitação do patrimônio histórico à retomada da ocupação da região.

Desde 2021, o Reviver Centro já ajudou a destravar mais de 14 projetos residenciais, somando 3.200 novas unidades habitacionais em uma área da cidade que, até pouco tempo atrás, acumulava imóveis vazios mesmo com toda infraestrutura urbana disponível. Se somarmos com as construções do Porto Maravilha, já foram quase 13.000 apartamentos lançados.