terça-feira, 16 de setembro de 2025

Comissões da Alerj cobrarão ao Governo do estado estudos técnicos sobre imóveis listados para venda



Em uma audiência pública realizada nesta segunda-feira (15/09), no início da noite, as Comissões de Defesa dos Direitos Humanos e de Combate às Discriminações, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), deliberaram que oficiarão o Governo do Estado para obter estudos técnicos sobre os imóveis que estão listados para alienação, de acordo com o Projeto de Lei Complementar (PLC) 40/2025. Essa proposta autoriza o governo a vender imóveis do acervo imobiliário do Estado.

No debate, que aconteceu na sede do Parlamento, as comissões propuseram ainda outros encaminhamentos: oficiar os Ministérios Públicos Federal e Estadual, por meio de ação civil pública, para garantir a função social dos imóveis; solicitar a Secretaria Estadual de Habitação dados de políticas públicas de habitação e investimentos do Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social; encaminhar ofício para o Tribunal de Contas do Estado sobre a legalidade da venda dos imóveis, incluindo impactos sociais e a arrecadação prevista com a venda; e apresentar emendas ao PLC quando entrar em pauta no plenário da Alerj

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“Já fizemos diligências em alguns imóveis, como a Casa Nem e a Casa Almerinda Gama. O Estado acumula, desde a redemocratização, um déficit orçamentário, que é incompatível com a geração de renda que o mesmo promove. Temos um histórico problema de arrecadação. Um estado que não reinventa a sua economia, ataca direitos para tentar fechar a conta. Hoje, estimamos mais de 30 mil pessoas em situação de rua no Rio, sendo 22,5 mil só na capital, segundo levantamento recente da Universidade Federal de Minas Gerais. O PLC lista diversos imóveis para serem vendidos, porém estes prédios prestam serviços públicos que o Estado não oferece e se mantêm sem nenhum custeio estatal. Dizer que representam um ônus para os cofres públicos não é verdade”, disse a deputada Dani Monteiro (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos.

Para o deputado Professor Josemar (Psol), que preside a Comissão de Combate às Discriminações, há uma ausência do Estado na garantia de direitos às populações mais fragilizadas. “A mensagem que o governador Cláudio Castro mandou para a Alerj prevê a alienação de uma série de imóveis que possuem notável função social. Quando vemos o Estádio Caio Martins, ao lado do prédio do Tortura Nunca Mais, sendo colocado à venda, fica evidente que o Estado do Rio está muito pouco preocupado com a sua própria memória. Quando o governo propõe vender prédios ocupados por moradias populares sem apresentar nenhum programa habitacional, percebemos que não há qualquer perspectiva de atender às famílias em situação de vulnerabilidade. O que se revela é uma grande lacuna; um Estado que não garante serviços sociais fundamentais à população fluminense”, pontuou.

O Defensor do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública (Nuth), Luiz Gustavo Scaldaferri, lembrou a ocupação de imóveis do governo por populações carentes. “O Nuth tem discutido muito este PLC, porque nos preocupa bastante. A gente entende que alguns imóveis precisam ser retirados do projeto, porque são moradias. Ao menos cinco têm essa finalidade, de acordo com o que mapeamos. São imóveis que não tinham função social e hoje servem de casa. Então, qual é a razão para tirar as pessoas desses locais?”, indagou.


Representante do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular da UFRJ (Najup), Cecília Café observou que a aprovação do PLC acarretará uma violação ampla às populações, que já estão em situação de vulnerabilidade. “Mulheres negras e a população LGBTQIAPN+ serão as mais atingidas com a alienação destes locais, além de ocorrer um desmonte amplo de direitos. Estas pessoas serão jogadas para as periferias. O impacto não é só patrimonial, mas também humano”, ressaltou.

Movimentos Sociais engajados

Indianara Siqueira, coordenadora da Casa Nem, destacou a função social do local. “A Casa Nem realiza um trabalho que o Estado deveria fazer. Moradia é um direito básico para as pessoas. O Estado deveria pensar, primeiramente, em suprir essas necessidades. Esses espaços são públicos e pertencem ao povo. Esperamos que os deputados, com outras ideologias políticas, recusem o projeto. Precisamos ter outra solução para a questão econômica do Rio de Janeiro``, comentou.

Para o Coordenador Estadual dos Movimentos de Luta nos Bairros, Adrian Santos, o desrespeito aos direitos humanos, nas ocupações, é recorrente. “Quantas moradias de interesse social foram construídas no Centro do Rio nos últimos cinco anos? Mas podemos contar as enormes violações de direitos humanos nas ocupações. Nosso papel enquanto movimento popular é que essa lista de imóveis seja rejeitada em sua integralidade”, afirmou.


Integrante do movimento de Mulheres Olga Benário, Camila Coutinho Reduzino comentou o trabalho fundamental da Casa e o quanto ele está ameaçado com a possível alienação do imóvel. “O intuito da Casa é acolher mulheres em situação de vulnerabilidade, uma vez que o Estado não faz um serviço eficaz. As mulheres negras são maioria das vítimas de feminicídio. Fica evidente a importância de mantermos a Casa, uma vez que a causa em que atua é essencial. A venda desses imóveis não vai cumprir a função econômica que o governo alega. Se o Estado investisse nestas casas seria muito mais benéfico socialmente, porque as mulheres estariam mais protegidas. Não temos também transparência no que será feito com a venda dos locais. O Estado não está disposto a debater o que vai acontecer com as pessoas que precisam do trabalho destas casas”, salientou.

Para Anna Cecília Bonan, do Movimento Unido dos Camelôs (MUCA), os ambulantes são outra categoria invisível aos olhos do Estado. “Os movimentos não são inimigos do poder público. Nós exigimos a garantia dos direitos. O povo exerce sua cidadania a partir da luta popular organizada. O espaço do MUCA não está ameaçado pelo PLC, no entanto temos diversos ambulantes que moram em ocupações na cidade toda. É uma categoria extremamente vulnerabilizada, e não podemos ter o governo querendo vender imóveis públicos, quando temos um déficit habitacional imenso. Estes imóveis deveriam continuar sendo direcionados para políticas públicas. Vemos uma grande ofensiva do Governo contra populações negras e pobres”, finalizou.

A Secretaria de Estado de Habitação foi convidada para a audiência pública, mas não enviou nenhum representante.