Foto: Jaqueline Ribeiro |
Mais de cinco meses após a tragédia que deixou 234 mortos em Petrópolis, sendo 116 nas regiões do Morro da Oficina e do Chácara Flora, moradores das duas áreas relataram – muitas vezes entre lágrimas - ao Ministério Público Estadual o sentimento de abandono, diante da falta de ações, bem como de informações sobre as medidas que serão adotadas em relação às áreas duramente impactadas pelos temporais. Os relatos foram feitos à procuradora do MPRJ, Denise Tarin e a psicóloga Samira da Silva, em vistoria técnica acompanhada por geólogos, geógrafos, historiadores e pesquisadores nesta quarta-feira (3).
“O mais difícil é vermos o tempo passar e tudo continuar igual, é a primeira vez que eu volto aqui. Até hoje, eu não tinha tido forças para voltar. Dói ver que o tempo está passando e não termos respostas. Nos sentimos totalmente abandonados e esquecidos aqui”, relata Jussara Aparecida Luiz, que morava na parte alta do Chácara Flora com os quatro filhos e perdeu a casa e os filhos Giulia, de 18 anos e Antony, de 2 anos no dia da tragédia. No local em que ela morava pelo menos outras nove casas foram destruídas, entre as quais a de Ivonice Batista de Souza, a Guida, que perdeu a mãe, e dois filhos.
A dor imensurável da perda de parentes e amigos também marca a história dos moradores da Rua dos Ferroviários/Frei Leão – região que fica na parte de baixo do Morro da Oficina. No epicentro da tragédia, onde 54 casa foram totalmente destruídas, 93 pessoas morreram e o jovem Lucas Rufino de 21 anos, continua desaparecido, o cenário ainda é o mesmo: escombros, ruínas, destruição e risco por toda parte.
“É muita tristeza ver isso aqui assim com tudo destruído. Era um lugar cheio de vida e hoje restou só esse silêncio. Está tudo assim abandonado, cheio de escombros ainda. É muito difícil passarmos lá embaixo e vermos isso tudo assim aqui em cima”, relata a moradora Cristiane Grosso da Silva, que perdeu nove parentes na tragédia, entre os quais a filha e no neto.
Novas moradias para vítimas e um memorial da tragédia
Com um terreno que ainda possui grande instabilidade, com pedras de grande porte na parte alta e minas d’água que encharcam o solo em toda encosta, técnicos apontam que não será possível a reconstrução de moradias na região. Uma das propostas é transformar o local em um memorial da tragédia. Para isso, o MP defende que moradores sejam incluídos em programas habitacionais.
“Estar aqui no morro dos Ferroviários é impactante, você percebe os moradores muito sofridos e se sentindo abandonados. É uma área que foi o epicentro do desastre, com 93 mortos e ainda o jovem Lucas desaparecido. Tudo isso movimenta a comunidade a clamar por ações, inclusive surge nesta visita a ideia de se criar um memorial, porque as pessoas têm consciência de que isso aqui é uma área de pedras, de água subterrânea - todas as casas tinham captação de água subterrânea - então é uma área condenada, não poderia ter nenhuma casa aqui. Acho que estar aqui hoje, perto destes seis meses de tragédia, é saber também o que nós vamos fazer”, pontua a procuradora Denise Tarin.
Os riscos do terreno foram apresentados em conversa entre técnicos e moradores. “Os geógrafos que subiram até a parte mais alta onde há uma mina, verificaram que mesmo estando em um período de seca, ela está ininterrupta, infiltrando, as pedras estão soltas, os escombros ainda estão aqui e existe um temor muito grande de que com as próximas chuvas, que todo esse material possa impactar ainda outras casas. Este é um ponto primordial”, destaca a promotora, que também pontua a necessidade de apoio psicológico aos moradores.
“Sem dúvida nenhuma temos aqui a necessidade de acolhimento aos moradores, que estão precisando de ajuda psicológica”, pontua.
A representante do MP destaca ainda a importância da interlocução do poder público com os moradores “Eles precisam saber o que vai ser feito. Precisamos de uma estratégia habitacional, com a construção de casas para estas pessoas em um local seguro. Porque o aluguel social vai até quando?
A procuradora cita que quando o MP se faz presente nos locais, é perceptível que as comunidades afetadas, as pessoas impactadas, precisam de respostas básicas: quando as obras vão começar, o que será feito, quais recursos serão empregados.
“Estar aqui hoje, acho que foi pra todos nós, muito difícil. As dores surgiram de todos os lados e eu penso que o Morro dos Ferroviários, conforme foi sugerido pelos moradores, deve receber um memorial para que não haja o esquecimento da vulnerabilidade territorial no município de Petrópolis, especialmente no primeiro distrito”, afirma Denise Tarin.
Sargento Boening
O Ministério Público e técnicos também estiveram no Sargento Boening, onde um dos pontos de preocupação é a Vila Vasconcelos, onde todas as casas estão interditadas e cedendo.
A Prefeitura informou que está elaborando um conjunto de projetos de obras de contenção de encostas e recuperação de vias públicas nessa região do Alto da Serra. Elas serão executados com parte do crédito de R$ 100 milhões obtido na Caixa Econômica Federal.
Segundo a prefeitura, a área do Morro da Oficina está no foco dessas ações prioritárias da Prefeitura com o uso do empréstimo da Caixa. A Secretaria de Obras vem dando atenção especial à avaliação de soluções técnicas para as encostas entre a Rua dos Ferroviários e a Escola Municipal Vereador José Fernandes; A primeira dessas obras de contenção está sendo programada para a encosta ao fundo dessa escola.
Em entrevista ao Diário na semana passada, o subsecretário da Secretaria de Infraestrutura e Obras do Estado, Pedro Ramos informou que cinco obras estão em fase de contratação, entre as quais as intervenções no Sargento Boening, com previsão de início em 30 a 40 dias e no Chácara Flora, que têm previsão de começar em 60 dias
Em relação à moradia, a prefeitura informou que “Para a construção de moradias para as famílias que perderam as suas casas nas chuvas, a Prefeitura ressalta a importância da ajuda dos governos federal e estadual nesse processo. Somente com um pacto federativo entre os três entes (município, estado e União) será possível dar uma resposta ao déficit habitacional em Petrópolis”, aponta o município em nota.
Ainda segundo a nota “Para isso, o município disponibilizou o terreno no Caetitu, em Corrêas, de forma sustentável e em área segura, para a construção de casas pelo governo do estado. Além disso, entregou ofício para o Estado apontando terrenos para a construção de mais unidades”.
Fonte: Diário de Petrópolis