(Foto: Divulgação Ascom) |
Prefeito eleito de Campos ainda no primeiro turno com mais de 151 mil votos, Rafael Diniz conseguiu a façanha de derrotar o grupo político liderado por Anthony Garotinho cuja máquina municipal jamais havia perdido uma eleição. Ao chegar ao prédio do Terceira Via para dar entrevista a Aloysio Balbi e Claudio Carneiro – e também na saída - ele foi aclamado por uma multidão que o abraçou, beijou, tirou selfies e se manifestou com parabéns e palavras de incentivo ao novo prefeito, mudando a rotina e engarrafando o trânsito da rua Governador Theotônio Ferreira de Araújo. Parecia a chegada de um astro pop - conhecido e reconhecido pelo grande público. Na redação, Rafael conversou com os jornalistas por mais de uma hora em um encontro com muitas revelações, mas demonstrou ser um jovem – feliz mas não eufórico – consciente da responsabilidade que tem pela frente.
Prefeito, no dia 1º de janeiro, vai usar a caneta para escrever ou abrir a caixa preta?
Vamos abrir a caixa preta. A gente está falando da maior cidade do interior do estado e que precisa ser reconstruída. Abrir a caixa preta não significa perseguir ou caçar bruxas. Não pode ser isso. É preciso muita maturidade, responsabilidade e equilíbrio. Entender o que fizeram com a cidade para fazermos um diagnóstico. A partir daí, saberemos os caminhos a serem tomados. Para isso, já estamos formando a nossa equipe de transição e de programa de governo.
O grupo que perdeu as eleições fez contato com você para dar os parabéns ou para discutir a transição?
Eu não tenho contato nenhum – a não ser com alguns vereadores somente – com o grupo político de lá. A despeito da minha posição aguerrida e firme, minha relação com os demais vereadores sempre foi muito respeitosa. Nunca levei nenhuma discussão para o campo pessoal. Eu sou o prefeito legitimamente eleito para transformar, olhar pra frente e aprender com os erros do passado. A gente deve à cidade uma transição responsável, sem revanchismos ou diferenças.
Ao chegar aqui no prédio, você foi cumprimentado, assediado, abraçado e beijado por, pelo menos, umas trinta pessoas. Isso nos impressionou. Como você percebe essa reação?
Eu sinto que as pessoas estão felizes na rua. E não é pela minha vitória. Mas por uma possibilidade de futuro que elas estão vendo em Campos. É muito bacana. É lógico que conquistamos uma vitória. Vencemos a máquina numa eleição em primeiro turno. As pessoas estão diante dessa possibilidade de um futuro melhor. Três sentimentos tomaram meu coração quando ganhei a eleição: felicidade, gratidão e consciência do tamanho desta responsabilidade. Ninguém me viu comemorando de forma exagerada, desrespeitando o adversário. Campos não quer mais isso. Eu me sinto preparado para este desafio. Meu avô Zezé Barbosa diria “Olha, aproveita. Da vitória à posse é só alegria. Depois é que vem o trabalho”.
Você vai enfrentar uma Câmara com dezoito vereadores de oposição. Como você espera que vai ser este relacionamento?
Eu sempre mantive o diálogo com todo mundo durante meu mandato de vereador. Sempre fui combativo mas jamais desrespeitei qualquer colega. Até mesmo meus debates com o Dr. Edson [Batista] com quem mantive grandes discussões, quando ele, como presidente, cerceava a minha palavra, ainda assim nos respeitávamos muito. Vou chamar os vereadores para o diálogo. Mesmo sendo de oposição – o que é um direito - eles terão a oportunidade de implementar os seus projetos. É para fazer o inverso do que esse governo fez - que não nos deu a oportunidade de aprovar os bons projetos que apresentamos. Eu não posso fazer o mesmo. Vou garantir que a Câmara tenha um papel independente e que possamos trabalhar de forma harmônica. Teremos nossos embates e nossas diferenças. Quer fazer oposição? Faça. Eu preciso deles e eles precisam de mim. Deixem eu ser este elemento que vai diminuir as diferenças. Vamos ter uma relação independente mas harmônica. Mas se tivermos maturidade poderemos chegar a um denominador comum. O que precisa parar de acontecer é essa história de Campos trabalhar para um grupo político. É preciso que um grupo comece a trabalhar por Campos.
Qual sua religião?
Sou católico.
Você estudou onde?
No Auxiliadora. A vida toda. Muito orgulho. Devo tudo à escola. Aprendi muito em casa, mas muito do que sei devo à escola. Sou muito grato à irmã Suraya, a todos os professores, às irmãs, pela formação que eu e meus irmãos temos. Eu entrava no Auxiliadora às sete da manhã e saía de lá às 9 da noite. A falecida irmã Anita brincava com minha mãe: “Beatriz, quando você vai trazer o colchonete pros meninos dormirem aqui?”. Devo muito a elas, como pessoa, como político e minha formação religiosa. Lá eu aprendi a fazer política. Sempre fui um aluno ativo.
Rafael, responda sim ou não. Dilma?
Não.
Lula?
Não.
Governo laico?
Sim. Governo laico não quer dizer que o gestor não possa ter sua religião.
Legalização das drogas?
Sou contra. Nós não temos uma sociedade preparada pra isso. Drogas envolvem problemas sociais, saúde pública. Nossa sociedade não está preparada para isso.
Aborto?
Contra. Acima de tudo a vida.
Você se arrepende de ter apoiado o Pezão?
Não. Eu e mais 117 mil campistas votamos no Pezão. Naquele momento, ele era uma grande alternativa para a nossa cidade. Era a candidatura que fazia frente ao grupo político ao qual sempre fizemos oposição. E qualquer governador, no lugar do Pezão, teria passado por isso que ele passou. Não é uma herança apenas do Cabral. É uma herança também do Garotinho, também da Rosinha, e a conta está sendo cobrada agora. Tenho muito respeito pela pessoa do governador Pezão. Agora que ganhei a eleição – mesmo sem nenhum apoio dele - poderia fazer minhas críticas, mas não sou de atacar ninguém pelas costas.
Se seu título de eleitor fosse do Rio de Janeiro, você votaria no Crivella ou no Freixo?
Eu acho que votaria no Freixo.
Há chances de você subir no palanque dele?
Não subi em palanque em Campos. Não fiz comício. Não faria em outra cidade. Votar no Freixo requer uma análise maior. Minha afinidade maior é mesmo com o [Alessandro] Molón. Eu votaria nele num primeiro turno. Agora, eu tenho que cuidar da minha cidade. E os cariocas têm de cuidar da cidade deles.
Sendo Campos um importante polo regional, você acha que os municípios da região precisam ter uma agenda estratégica e conjunta pelo desenvolvimento?
Claro que sim. Já tive uma conversa com a prefeita eleita Fátima [de Quissamã]. Não nos conhecíamos, mas foi um encontro muito bom porque já discutimos a Barra do Furado. A prefeita Carla [de São João da Barra] – com quem tenho uma relação maravilhosa - nós nos felicitamos pela vitória e já discutimos sobre o Porto do Açu. Acho que Campos perdeu oportunidades por não ter estudado o plano de negócios do Porto do Açu. Na semana passada, tive um bom papo com o deputado federal Júlio Lopes para tratar do mesmo assunto. Campos tem que ocupar seu espaço ao lado dos municípios que queiram aproveitar esse processo de desenvolvimento que passa pelo Porto do Açu. Precisamos da geração de empregos e de receita. Os prefeitos de hoje têm de pensar de forma macro. Não dá pra eu pensar apenas em Campos e a Carla só pensar em São João da Barra. Eu tenho que me preocupar com São João da Barra e onde e como Campos puder participar do desenvolvimento dos demais municípios. Eu tenho esse compromisso. O desenvolvimento conjunto é muito melhor que o desenvolvimento isolado.
Você acha que as vitórias de Diniz, de Carla, de Fátima, de uma eventual vitória do Freixo fazem parte de uma onda, aquela onda que derrubou a Dilma e que fez o PT experimentar essa terrível derrota nas eleições?
Acho que sim. Eu e a Fátima somos uma novidade no processo. A Carla representa o reconhecimento e a saudade do que ela construiu e as pessoas quiseram de volta.
O povo está mais consciente...
Se não estivesse, não teríamos 151 mil votos. Fizemos uma eleição limpa, sem recursos básicos de campanha e sem tempo de TV.
Você acorda cedo? O que toma no café da manhã?
Acordo às cinco horas porque minha esposa trabalha fora. Como pão com manteiga e café.
E seu prato preferido?
Eu tenho vários. Sou comilão. Puxei Zezé Barbosa. Adoro um arroz com feijão e galinha ao molho pardo.
E o prato que você não gosta?
Bife de fígado. Já tentei várias vezes, mas não consigo.
O que mais fascina você, a jaqueira do seu pai ou a biblioteca do seu avô?
As duas. Porque mato a saudade dos dois.
Já leu um livro à sombra da jaqueira?
Nunca fiz isso. A ideia é boa mas corro o risco de não passar da primeira página pensando nos dois. Meu pai era apaixonado por leitura e sempre incentivou isso nos filhos. Não somos como ele - porque ele era fascinado. Tem três grandes livros que li e que lembram meu pai: “A Ceia dos Cardeais”, “O Pequeno Príncipe” e “O Menino do Dedo Verde”.
Voltando ao feijão com arroz - mas agora sem galinha. Você pensa em aproveitar algumas figuras políticas no seu governo, como por exemplo o Sérgio Mendes que já foi prefeito?
É preciso destacar que o Sérgio foi muito injustiçado nessa eleição. Apontaram pra mim pra me criticar apontando pra ele. O presidente do meu partido é uma pessoa de bem que nunca interferiu no meu mandato de vereador ou no processo de eleição. Sempre esteve disposto a ajudar. Sérgio teve sua história como prefeito, como todos os outros tiveram e vão ser elogiados pelos acertos e criticados pelos erros – que todo mundo tem e eu vou ter futuramente. Ele não quer participar do meu governo. Mas sou muito grato ao Sérgio. Eu critico muito o político que só usa as pessoas. Não é apenas usar, sugar e jogar fora. As relações vão muito além. Aprendi isso com meu avô e com meu pai. Os mandatos passaram e eles sempre foram pessoas respeitadas na cidade. É isso o que eu quero pra mim.
No primeiro dia de governo você vai se apegar a algum objeto, a caneta do avô Zezé ou do pai, Sérgio – algum simbolismo?
Não. Eu sou apegado a rezar. Tenho certeza de que vou rezar quando sair de casa e beijar as duas mulheres que representam meu avô e meu pai: minha avó e minha mãe. É nisso que me apego. Não sou um cara materialista. Esse paletó que eu tirei para essa entrevista eu uso há quatro anos. Pra conseguir que eu compre um sapato ou uma calça jeans precisa me empurrar pra eu ir. Se eu for levar uma caneta do meu pai vou ter que usar uma das BICs que ele usava. O Zezé Barbosa tinha um bloquinho e o pessoal comentava: “Se ele anotou é porque vai fazer”.
Seu pai gostava muito da preponderância da lei enquanto seu avô foi o melhor prefeito porque mesmo sem dinheiro fez as melhores obras. Chamaram ele de maluco quando fez a 28 de março.
O que seria de Campos hoje sem a 28 de março ou a José Carlos Pereira Pinto! Os grandes prefeitos não pensam com prazo de validade de quatro anos. Eles pensam pelos próximos 20 anos. É o planejamento estratégico trazido para a gestão. Eu tenho que pensar para que o futuro prefeito tenha condições de realizar para as futuras gerações.
Como você se vê daqui a quatro anos? Tentando a reeleição?
Diferentemente do que disse agora, em relação a mim, eu sou um cara do hoje. Eu tenho de concluir um governo cujo começo não vai ser fácil. Temos agora que abrir a caixa preta e tomar as medidas necessárias – que já imagino quais serão. É preciso dar qualidade ao básico: Saúde, Educação e Transporte. E daqui a quatro anos, espero voltar aqui para uma entrevista e ser recebido pelas pessoas da mesma forma como fui recebido há pouco (risos).
Quando você foi eleito vereador muita gente achou que era um voto sentimental porque seu pai tinha acabado de falecer...
Naquele momento foi.
Sim, mas esta vitória histórica – não há casos em que um candidato aqui tenha ganho em todas as zonas eleitorais e que Garotinho tenha perdido uma eleição em Campos com a máquina na mão – tem significado...
Eu costumo dizer o seguinte: meu pai garantiu a minha eleição para vereador. E meu avô me garantiu a de prefeito. Eu agradeço muito porque eles me trouxeram até aqui. Meu pai perdeu uma eleição por dois votos. E esta derrota fez com que as pessoas me garantissem os seus votos quando me candidatei a vereador. Isso me honrou e eu pensei: “essas pessoas que votam em mim hoje sentimentalmente ainda vão votar em mim pelo meu trabalho”.
Uma pergunta como “O que você acha de Garotinho”, seria o que você não gostaria de responder? (risos)
Vamos lá. Eu tenho que estar pronto para responder. Eu não tenho relação nenhuma com ele. E vou lembrar do meu pai para dizer: “Nem quero ter”. Papai falava que azar era entrar no carro ligar o rádio e ouvir o Garotinho (risos). Eu não conheço o Garotinho e não faço questão de conhecer. Mas ninguém nunca me viu ofendendo a pessoa dele, da esposa ou dos filhos. Não vou fazer com ele o que ele a vida toda fez com a minha. Eu achei que ele pudesse aprender com a vida quando teve os seus filhos, teve os netos, mas não o fez. Continuou ofendendo as pessoas e não só a mim. O que ele fez na última semana de campanha não cabe a nenhum cidadão normal – ainda mais aquele que usa o nome de Deus. Não cabe. Não se pode aceitar de um ex-governador ir pra rádio, desesperadamente, ofender a honra das pessoas porque está vendo uma derrota eleitoral. Zezé Barbosa teve sua derrota eleitoral e jamais ofendeu as pessoas. Eu vou ter as minhas derrotas eleitorais. Ninguém é pra sempre. Mas eu nunca vou desrespeitar as pessoas. Lamento. O que eu acho de Garotinho? Uma pessoa que podia aproveitar as oportunidades que teve e não aproveitou e que podia ter aproveitado a oportunidade maior: falar de Deus mas, antes disso, viver Deus. Coisa que ele não faz.
Você terminou com quem está “terminando” (risos).
Mas não posso terminar a entrevista falando de Garotinho (risos). Se fosse para vencer esse ou aquele eu estaria na rua comemorando, cantando e gritando. Não comecei essa caminhada para derrotar quem quer que seja. Campos vive o seu recomeço. É preciso fazer a cidade andar, sem entrar com a faca entre os dentes e o sangue nos olhos. Vamos chamar as pessoas pra perto, fazer parcerias. Que as pessoas não olhem o prefeito num pedestal, mas que o vejam sentado à mesa na mesma condição, dialogando. Aqui todo mundo é igual. Tem que parar com essa história de pobre e rico, de negro e branco, de Guarus, Centro e Baixada. Esse é o meu objetivo.
Fonte: Terceira Via