quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Um ano da maior tragédia natural da história de Petrópolis


Os anos de 2020 e 2021 foram de muitas dificuldades para Petrópolis. A pandemia que assolou o mundo inteiro provocou mortes e enormes impactos sociais e econômicos para o município. Finalmente parecia que 2022 seria o ano de volta à normalidade: apesar da preocupação com a ômicron (que provocava mais infecções por covid-19), a vacinação fez os óbitos e os casos reduzirem muito. As atividades econômicas estavam voltando, já havia uma discussão ainda inicial sobre a liberação do uso de máscaras e as aulas estavam retornando para todos os estudantes - sem modelo híbrido. Esse era mais ou menos o cenário do município até o meio da tarde do dia 15 de fevereiro.


Aquela terça-feira, que havia amanhecido ensolarada, mudou radicalmente. A chuva começou depois das 15h, numa intensidade que não havia sido vista em 90 anos. Foram 259 mm em seis horas, mais do que a média do mês de fevereiro. Uma combinação de frente fria vindo do oceano, empurrada por ventos da capital para o interior do estado, associado à topografia da cidade, como explicou o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na época, e que não foi prevista com antecedência, transformou ruas em enormes rios e arrastou casas, carros e o que (e quem) mais estava no caminho.

O cenário foi trágico: ônibus foram arrastados para dentro de rios; 26 bairros foram atingidos e alguns, completamente destruídos, como o Morro da Oficina, um dos locais mais emblemáticos dessa catástrofe; corpos foram encontrados depois que a água baixou e até mesmo bem longe do primeiro distrito. Nos dias seguintes, o luto só aumentava a cada momento, com a atualização do número de vítimas. Foram 235 mortes só na chuva de fevereiro - mais do que o registrado em duas outras tragédias que seguem vivas na memória do petropolitano, 1988 (171) e 2011 (73). O impacto econômico foi calculado em R$ 665 milhões pela Firjan. Mais de quatro mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas.

Passados 33 dias, mais uma chuva, com volume ainda maior (534,4 mm em poucas horas), e mais sete vítimas - essa segunda tragédia talvez só não tenha sido ainda maior porque a chuva foi em um domingo e a população já estava alerta.

Morro da Oficina



Nesse um ano, uma das principais mudanças foi o medo da população de novas chuvas. Hoje, os alertas emitidos pela Defesa Civil estão mais constantes e um Plano de Contingência foi elaborado para casos de risco de inundação. Ele contempla um sistema de alerta, composto por duas sirenes que serão instaladas na Cel. Veiga e no Centro, e um sistema de fechamento automático de vias – com cancelas nas Duas Pontes, na Ponte Fones e próximo da UPA Centro. A partir disso, três protocolos foram organizados: um para motoristas de ônibus, outro para lojistas (esses dois já colocados em prática) e o terceiro envolvendo toda população. Esses protocolos incluem a criação de ilhas de segurança pela cidade e o treinamento para que todos saibam como agir para garantir a segurança em dias de chuva forte.

Mas, distante da área central, nos bairros, a preocupação é crescente a cada chuva mais forte. E elas têm provocado alagamentos ou deslizamentos de terra. Parte dessa preocupação se explica porque ainda há locais em que obras de infraestrutura não andaram e ainda outros em que o tempo praticamente parou naquele 15 de fevereiro. Epicentro da tragédia, com 54 casas totalmente destruídas, 93 mortes e um desaparecido, o Morro da Oficina não teve sequer os detritos e escombros retirados. Nas ruínas de casas que resistiram, ainda é possível ver a caneca de café e o pote de açúcar que ficaram para trás. No caminho entre os escombros há brinquedos, talheres, calçados e uma infinidade de sinais das famílias devastadas.

A prefeitura dividiu as obras (construção de barreiras dinâmicas, soluções de drenagem, cortina atirantada e muros de gabião) em três lotes e só um já teve início até aqui: intervenções em encosta no trecho entre o Hipershopping e a Rua Hercília Moret, para proteção da Escola Municipal José Fernandes da Silva, do Pronto Socorro Leônidas Sampaio e das moradias. No alto do Morro, ainda há risco relacionado a pedras enormes.

A prefeitura ainda vai fazer a licitação do lote 2, que contempla o trecho entre as Ruas Professora Hercília Moret e Frei Leão, no dia 17; e apresentou no início desse mês a concepção do projeto do lote 3, que contempla o início da Rua Frei Leão até a Oswero Vilaça. Os dois ainda não têm data de início.

Obras


Chacará Flora

Um levantamento feito pelo Departamento de Recursos Minerais (DRM) a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apontou mais de 130 obras que são necessárias nos 26 bairros atingidos pela chuva. Cada um desses bairros tem uma ação impetrada pela MP para exigir a realização de obras. Em dezembro, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões de recursos oriundos da privatização da Cedae para isso, mas o governo do estado recorreu.

A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Cidades (SEIC) informou que "nenhuma obra que estava em execução foi paralisada. O valor total que vem sendo investido pelo Governo do Estado nas contenções de encosta e no túnel extravasor é de R$ 255 milhões". A pasta também disse que "concluiu a contenção de encosta na Avenida Portugal, no Valparaíso. Na Rua Washington Luiz, a pista foi totalmente reconstruída, restando apenas concluir a contenção do canal da rua. As ruas 24 de maio, Tereza e Nova estão com mais de 90% de obras finalizadas. Já a contenção e a drenagem na Pedro Ivo, no bairro Cascatinha, também estão na fase de finalização. Intervenções nas encostas das ruas Conde D’Eu e Olavo Bilac estão em andamento. As obras nas ruas Uruguai e 1º de Maio e Avenida Paulista; na Estrada do Paraíso, no Sargento Boening; na Travessa Vasconcelos, na Vila Vasconcelos; na Chácara Flora; e na Rua Bartolomeu Sodré, no Caxambu; serão realizadas, por meio de licitação, com recursos no valor de R$ 147 milhões".

A prefeitura divulgou um balanço na semana passada de que 48 obras de grande e médio porte foram concluídas desde o ano passado. Segundo a gestão municipal, "A maioria teve o objetivo de devolver o funcionamento da cidade, já que muitas ruas haviam cedido com as chuvas de 15 de fevereiro". A lista inclui 23 contenções em margem de rios, nove contenções de ruas, seis recuperações de rede de drenagem e de pavimento, cinco limpezas e desobstruções de vias e rios, desmonte de rochas, recuperação das instalações do Hospital Nelson de Sá Earp, manutenção viária e de guarda-corpo pela cidade e construção de ponte para pedestres na Estrada da Saudade. A prefeitura também informou que ainda há 81 obras nessa lista.

"Depois das chuvas de 15 de fevereiro, era difícil se descolocar pela cidade. Isso dificultava as ações de resgate e também a circulação do maquinário para as ações de resposta às chuvas. Com essas 48 obras, devolvemos a mobilidade para a cidade. Ou seja, vencemos essa etapa. Agora, o nosso foco está no Alto da Serra e na Vila Felipe, em obras de grande porte, nas áreas mais atingidas pelos desastres", disse o prefeito Rubens Bomtempo.

Extravasor

O volume de água que caiu na cidade foi enorme, de fato, mas o maior sistema de drenagem da cidade não funcionou de forma adequada, e por isso houve os alagamentos tão grandiosos no Centro Histórico, como apontaram especialistas ouvidos pelo Diário no ano passado. O túnel extravasor, um canal de três quilômetros que leva a água do Rio Palatino (a partir da Rua Souza Franco, no Centro) até o Rio Piabanha (saindo a Rua Pedro Elmer, no Quissamã) estava obstruído e, com isso, o escoamento normal não ocorreu. As condições precárias do equipamento são antigas, com um processo de erosão em diversos pontos da galeria. A chuva de março só piorou tudo.

Por isso, foi necessário uma obra de recuperação emergencial, investimento de R$ 74 milhões. Em novembro, a Solidum (empresa que foi contratada para a obra) informou para Câmara de Dirigentes Lojistas de Petrópolis (CDL Petrópolis) que as intervenções feitas até aquele momento já garantiam que não existia risco de desmoronamento do extravasor. Segundo a SEIC, as obras túnel extravasor estão em curso e "A primeira etapa será entregue até o final deste mês".

Habitação

Um dos grandes problemas que a tragédia evidenciou foi a questão habitacional. Essa é uma questão antiga: o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), de 2017, apontava que o déficit habitacional no município era de 12 mil moradias e que a cidade tinha 234 áreas de riscos (equivalente a 18% do território de Petrópolis). Nestas áreas, a população era de cerca de 47 mil pessoas. Um levantamento do IBGE de 2018 aponta que quase 22,3 mil imóveis ficam em áreas de risco em Petrópolis e 72 mil pessoas viviam em moradias que não estão seguras.

E nesse um ano desde a tragédia de 15 de fevereiro de 2022, a cidade pouco avançou nessa área. Nem mesmo o que era para ser emergencial para quem ficou sem ter onde morar foi equacionado. O prédio na Rua Floriano Peixoto, no Centro, com 32 unidades (20 kitnets e 12 apartamentos), foi adquirido em maio pela prefeitura por R$ 3,5 milhões, usando parte da verba doada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). No entanto, ninguém ainda se mudou para lá. Em outubro, a prefeitura abriu uma licitação para reformar e adaptar o prédio, mas nenhuma empresa se interessou pelo serviço. Uma nova tentativa de licitar essas intervenções está marcada para o dia 28 de fevereiro.

Nesse período, cerca de quatro mil famílias recebem aluguel social, que teve valor aumentado depois da tragédia para R$ 1 mil, sendo que o governo do Estado arca com R$ 800 e a prefeitura é responsável pelo pagamento de R$ 200. Esse valor foi mantido para 2023.

Sobre a questão habitacional, a Secretaria de Estado de Habitação de Interesse Social (Sehis) informou que, "por meio de sua vinculada Cehab, vem executando obras de reforma e requalificação em três conjuntos habitacionais entregues pelo Governo do Estado há mais de 10 anos à cidade de Petrópolis: Castelo São Manoel, Moacyr Padilha e Sérgio Fadel. Graças a um investimento superior a R$ 6,9 milhões, o Governo do Estado vai beneficiar 360 famílias através dos serviços de pintura externa, pintura interna das escadas, limpeza de caixas d'água e cisternas, além de reparos nos telhados e modernização da rede elétrica nos condomínios".

"Já sobre novas moradias, o Governo do Estado apresentou projetos para construção de 350 unidades em espaços localizados no Mosela, Itaipava/Benfica e Vale do Cuiabá. A Sehis aguarda a Prefeitura de Petrópolis regulamentar as leis municipais relativas aos terrenos para realizar as adequações necessárias nos projetos e dar prosseguimento às licitações", continua a nota da Sehis.

O Diário questionou a prefeitura sobre o planejamento na área da habitação, mas não recebemos resposta.