segunda-feira, 20 de junho de 2022

Restauração do Solar dos Airizes ainda não tem uma definição

(Foto: Rodrigo Silveira)

Amaro José é quem abre o cadeado da porteira que dá acesso ao solar. Ainda na rodovia, a construção já se destacava na paisagem, causando admiração por sua história e beleza, e angústia por sua condição precária atual. O campista que percorre a BR-356 a caminho de São João da Barra fatalmente reconhecerá o imponente prédio à sua direita e terá dele alguma referência. 

O Solar dos Airizes é repleto de lendas. Uma delas desmentida com veemência por Amaro, que afirma nunca ter ouvido qualquer barulho de corrente ali ou visto a imagem da escrava branca Isaura nas janelas do solar. A conhecida obra “A Escrava Isaura”, do romancista Bernardo Guimarães, que também ganhou vida na teledramaturgia da Rede Globo, teria sido ambientada nas terras do Airizes. Mas, entre os historiadores, sendo quase consenso, Seu Amaro está certo — não há confirmação documental da ligação do solar com a obra.


O que se verifica de forma inquestionável, não necessitando de comprovação históricocientífica, é a iminente ruína do solar. Com parte da construção já no chão, esquadrias e paredes deterioradas, ele permanece erguido por ter recebido intervenções no telhado há alguns anos. Com história e enorme potencial para voltar a ter uso e servir de equipamento cultural, de educação patrimonial e/ou turístico, muitos projetos permeiam o solar. Dentre os mais falados, está a criação de um Museu do Açúcar, ilustrando a exploração dessa atividade econômica na região.

 Mais ilustre dono que o Solar dos Airizes possuiu, o escritor Alberto Frederico de Moraes Lamego já havia percebido a importância de preservação daquele patrimônio. A seu pedido, em 1940, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) fez no prédio o seu primeiro tombamento em Campos, reconhecendo não apenas o seu valor histórico-cultural, como também a importância do acervo que abrigava, composto por pinacoteca e mobiliário. 

Alberto Lamego estava produzindo na Europa, desde 1912, o livro “A Terra Goitacá”. De volta a Campos em 1920, trazendo uma grande quantidade de documentos, residiu no Airizes, conferindo ainda mais importância ao solar pela sua preponderância no movimento cultural no estado do Rio de Janeiro.




 Prefeitura, processo judicial, família Lamego e outros donos

 Alberto Lamego herdou o solar, já construído nas concepções de estilo colonial de inspiração neoclássica, do comendador Cláudio do Couto e Souza. Originalmente, aquelas terras pertenceram aos jesuítas, fazendo parte da Fazenda de Nossa Senhora da Conceição e Santo Inácio. Com a expulsão da ordem religiosa, o que viria a ser a Fazenda dos Airizes foi comprado por um comerciante português e só depois passou às mãos do comendador. 

Desde então, o solar pertenceu a diferentes gerações da família Lamego, que sucederam-se enquanto proprietárias até o ano de 2014, quando uma negociação teria passado a sua posse para a imobiliária paranaense Teixeira Holzmann, mas sem sucesso, conforme apurou reportagem da Folha de 2020. A família Lamego administrava o solar e o seu entorno por meio das empresas Airi SPE Participação e Empreendimento Ltda e SPE Vittek Participações, multadas pelo Iphan em 2018 por danos ao bem tombado. 

Atualmente, a responsável pela vida ou morte do Solar dos Airizes é a Prefeitura. Ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que tramitou na 2ª Vara Federal de Campos — o processo foi redistribuído recentemente para a 3º Vara —, possui sentença condenatória com trânsito em julgado. Não cabendo mais recurso, ficou definido que a Prefeitura é a responsável pelo imediato restauro e a manutenção do solar.

 — É importante apontar sobre a necessidade de ações de manutenção e conservação emergenciais já sinalizadas ao proprietário ou responsável do Solar dos Airizes em diversas manifestações do Iphan anteriores ao presente documento — informou à Folha o Iphan, destacando que um pedido de reforma simplificada e intervenção emergencial foi feito pela Sociedade Artística Brasileira (Sabra), associação civil e captadora de recursos, sem fins lucrativos, com sede em Minas Gerais. 

A informação foi confirmada pelo presidente da Sabra, Márcio Miranda: “Temos a aprovação pelo Iphan de nosso projeto para a intervenção emergencial no Solar dos Airizes. As equipes só podem ser escolhidas após contratação dos serviços. Não temos previsão para início das obras. Isso está a cargo do poder público”, disse Márcio. Também procurado pela Folha, o MPF informou ter enviado em maio a última petição à Justiça Federal, onde pede os “dados comprobatórios dos atos efetivamente praticados para o escoramento e proteção do referido patrimônio“ e os “atos praticados para a formalização e realização do decreto municipal de desapropriação”. O decreto 473/2021 já foi incluído no processo, tendo entrado em vigor no dia 15 de dezembro do ano passado.






Fonte: Folha da Manhã