quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Revista Época: Quem é a mulher eleita pela quarta vez em prefeitura do interior do Rio de Janeiro

(Foto: Ralph Braz | Pense Diferente)

Ela diz que nunca sofreu machismo e não se rotula como feminista. Aos 55 anos, Carla Machado (PP) elegeu-se pela quarta vez prefeita de São João da Barra, município do Norte Fluminense com pouco menos de 30 mil habitantes. E agora, com uma chapa totalmente feminina.

Carla é uma exceção no cenário político dos municípios brasileiros, ainda influenciado pelo predomínio masculino na distribuição de cargos eletivos. Sua chapa, que tem a comerciante Carla Caputi como vice, venceu o pleito municipal com 69% dos votos válidos. O segundo colocado, Marcio Nogueira (Podemos), teve 16%.

"Não vejo minha cidade preconceituosa em relação à mulher. Ainda nova, fui eleita para a Câmara com a segunda maior votação. Às vezes, no início, eu notava um preconceito por parte das próprias mulheres. Depois, isso foi sanado", diz.

Graduada em Ciências Contábeis, professora de formação e servidora das redes municipal e estadual de ensino, Carla iniciou trajetória na administração pública aos 18 anos, quando assumiu um cargo na assessoria da Secretaria de Educação da cidade.

Mas sua familiaridade com o meio político de São João da Barra se construiu ainda na infância e na adolescência, quando acompanhava seu tio, Durval Machado, nos comícios dele. Machado era vice-prefeito de São João da Barra quando o município ainda era integrado ao território de São Francisco do Itabapoana, onde parte da família de Carla se estabeleceu.

De 1989 e 1992, foi secretária de Educação na administração de Dodozinho Mendonça. Em 1996, se elegeu vereadora pelo PMDB com a segunda maior votação da cidade: 667 votos. Três anos depois, foi a primeira mulher a ocupar a presidência da Câmara dos Vereadores.


Em 2000, tentou a prefeitura pela primeira vez, pelo PDT. Não conseguiu se eleger, mas obteve uma votação expressiva, de 46,7% dos votos válidos. Quatro anos depois, foi eleita a primeira prefeita da História do município, com 10,4 mil votos. Na eleição seguinte, se reelegeu com 14,1 mil votos. Em 2016, já pelo PP, Carla teve mais de 22 mil votos na disputa pela prefeitura — cerca de 73% dos votos válidos.

A questão feminina

Carla lamenta que a participação feminina na política ainda não seja igual à masculina. Para ela, isso resulta de uma falta de interesse das mulheres no processo político — realidade que deveria ser superada, diz, pela conscientização do próprio público feminino.

"Não acho que as mulheres sejam melhores, porque a capacidade intelectual e a força de trabalho é a mesma do homem. Mas a mulher tem a sensibilidade mais apurada, até pelo fato de ser mãe", opina. Apesar disso, a prefeita de São João da Barra evita se definir como feminista: "Defendo o direito da mulher de estar onde ela quiser. Mas também defendo o direito do homem de estar onde ele quiser".

Embora reconheça a desigualdade de gênero na política, ela diz que nunca foi vítima de machismo: "Nunca. Na realidade, vai muito de como cada um se impõe. Ninguém nunca me afrontou por ser mulher. Na política, temos, é lógico, os conflitos inerentes à disputa partidária.

Carla também se diz favorável à cota feminina no parlamento, mas defende que a medida é uma etapa intermediária e deve deixar de existir um dia, com a progressiva "conscientização" do público feminino. E comenta que sua escolha de vice-prefeita, Carla Caputi, resultou não de uma questão de gênero, mas por ela "ser capaz":

"Ela já fez parte da nossa gestão. Era minha secretária de administração. É sensível aos problemas da população e por isso foi escolhida."

Polêmicas

Com passagem por dois partidos de campos opostos do espectro político, além de um histórico de atuação na área de assistência social, Carla evita se posicionar ideologicamente e tece elogios à sua legenda:

"É um partido verdadeiramente progressista. Infelizmente, até por causa da quantidade de partidos que existem, acabou essa coisa de ideologia partidária. Quando era Arena, MDB, era um de direita, outro de esquerda. Não me posiciono como alguém de direita nem de esquerda, eu analiso as situações individuais. Acho que estou mais para uma centro-esquerda", diz.

Carla atribui a ligeira queda de desempenho em relação ao pleito passado à situação econômica da cidade:

"Minha missão ainda não se deu por completa. Meu último mandato foi prejudicado pela situação das contas da cidade, peguei o município cheio de dívidas. Mas ainda existem alguns sonhos que não são meus, são da população, e que não pude realiza", explica.

Embora registre altos índices de aprovação, a gestão de Carla Machado também teve percalços na Justiça. Em outubro deste ano, o PSC, o PSD e o PMN chegaram a pedir a impugnação de sua candidatura, com o argumento de que a prefeita teve suas contas rejeitadas quatro vezes pelo Tribunal de Contas do Estado.

Carla Machado também responde a um processo conhecido como "Operação Machadada", no qual foi condenada em duas instâncias por cooptação ilícita de integrantes da oposição com oferta de cargos e vantagens financeiras. Porém, em maio deste ano, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Og Fernandes decidiu, de maneira monocrática, anular a sentença, por considerar ilegal uma gravação usada no processo.

Questionada sobre as polêmicas, Carla Machado se esquiva: "Isso (as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas) não existe. Toda eleição é isso. Já nem me lembro mais o que disseram, porque sei que não existe", diz.






Fonte: Revista Época