sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Trinta e seis pessoas sacaram mais de R$ 20 mil de uma só vez em pagamentos do Ceperj


Na sangria milionária da folha secreta do Ceperj — fundação do governo do Rio investigada pelo Ministério Público estadual (MPRJ) —, um grupo de 36 pessoas fez saques em dinheiro ou transferências de mais de R$ 21 mil, em retiradas únicas em agências do Bradesco, todas no último mês de maio. As informações podem ser extraídas da planilha entregue pela instituição financeira aos promotores, com 27.665 pessoas físicas favorecidas este ano em 91.788 ordens bancárias de pagamento. Na lista das mais vultosas, O GLOBO identificou entre os beneficiados desde professores a pequenos empresários e um ex-candidato a deputado estadual. No olho desse furacão, o presidente da fundação, Gabriel Lopes, pediu exoneração ontem do cargo e teve o pedido aceito pelo governador Cláudio Castro.

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Um dia antes, a Justiça do Rio havia determinado a suspensão remunerações e contratações temporárias do Ceperj, onde o MPRJ apontou “nítida afronta às normas de prevenção à lavagem de dinheiro”. Dos pagamentos mais volumosos, 19 foram de R$ 24.509,79, e outros 17 alcançaram R$ 21.029,79. Entre esses favorecidos, há duas irmãs e uma mãe, todas com sobrenome Cerca da Silva, que realizaram saques em espécie de uma mesma agência de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, no dia 9 de maio. O GLOBO tentou conversar com elas para saber ao que se referem os pagamentos, se elas trabalhavam em algum projeto do Ceperj e por quanto tempo. No único telefonema atendido, no celular da mãe da família, uma mulher disse que ela não estava em casa.

É da cidade de Guapimirim, na Região Metropolitana, no entanto, a agência onde mais pessoas recolheram os altos valores, com oito saques ou transferências. Foram localizadas as redes sociais de três delas, duas das quais professoras. Em comum, todas demonstram hábitos simples, sem ostentações. Agências de municípios vizinhos, como Magé e Teresópolis, também apareceram na relação das com ordens de pagamento superiores a R$ 20 mil.

Já na agência 406, em Nova Iguaçu — a segunda com maior quantia sacada este ano segundo a planilha das ordens de pagamento do Ceperj — André Martins de Miranda retirou R$ 24,5 mil em dinheiro no dia 10 de maio, apontou o documento recebido pelo MPRJ. Ele concorreu ao cargo de deputado estadual em 2018, pelo PSL. E é um dos quatro dos 36 favorecidos com mais de R$ 20 mil que receberam auxílio emergencial, segundo dados da Transparência federal.

Em uma rua esburacada e aparentemente pouco movimentada do bairro Cabuçu, em Nova Iguaçu, o ex-candidato atendeu a equipe do GLOBO ontem à tarde. Ao ser questionado se conhecia o Ceperj, ele ressaltou que “não tinha nada a dizer”. André teve interesse em saber como a equipe o encontrou naquele endereço. Ele também foi perguntado se havia recebido algum dinheiro da fundação, mas insistiu que não tinha nada a declarar.

— Não, não tenho nada a dizer. Como vocês me acharam aqui? — perguntou ele.

O conjunto de ordens bancárias de pagamento na planilha entregue pelo Bradesco soma quase R$ 248,5 milhões. A maioria dos favorecidos, diz a petição inicial do MPRJ, “recebe mais de um pagamento, a indicar que — em sua imensa maioria — os pagamentos não dizem respeito a ‘fornecedores eventuais’, mas sim à remuneração de mão de obra temporária, contratada por prazo determinado”.
Proposta de TAC

No Twitter, o governador Cláudio Castro se pronunciou pela primeira vez numa rede social ontem sobre as suspeitas que recaem sobre o Ceperj. Ele afirmou que, desde que surgiram os questionamentos sobre a gestão de programas sociais desenvolvidos pela fundação em parceria com secretarias estaduais, determinou imediatamente a instauração de uma comissão coordenada pela Casa Civil para apurar “com rigor e energia” o que ocorria.

“Suspendemos pagamentos, realizamos fiscalizações em campo e cruzamos os dados dos contratados para apurar outros vínculos e nos debruçamos acerca de possíveis fragilidades. Exigimos do Bradesco a bancarização dos profissionais, pois desde novembro o banco se nega a fazer isso. Hoje, anunciamos a substituição do atual presidente do Ceperj, assim como a proposição imediata de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MP estadual para corrigir rumos e não prejudicar importantes programas sociais”, escreveu Castro, dizendo ser o “maior interessado para que tudo seja esclarecido o quanto antes”.



Já a Ceperj garantiu que está cumprindo todas as recomendações dos órgãos de controle do Estado, “sobretudo no que se refere às contrações, pagamentos e o cumprimento da determinação judicial”. Procurada ontem à tarde para tentar explicar que serviços podem ter sido prestados pelos 36 favorecidos com ordens de pagamento superiores a R$ 20 mil, a fundação respondeu que não teria como levantar todos os nomes até o fechamento desta edição.

O governo do Rio também terá que prestar esclarecimentos sobre o Ceperj para Conselho do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que busca saber acerca da contratação de 4.500 agentes de apoio e 4.500 agentes de empregabilidade. O ofício enviado a Castro, obtido pelo GLOBO, afirma que, “ao ter conhecimento da referida contratação, observou-se a possibilidade de violação” de um artigo da lei do RRF que proíbe a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa.
Cinco com mais de R$ 100 mil

Equipes do jornal também tentaram, sem sucesso, encontrar ontem pessoas que receberam os pagamentos em diferentes bairros de Nova Iguaçu, Belford Roxo e Barra Mansa, na região do Médio Paraíba. Já por telefone, localizou a professora Camilla Cherr, de Guapimirim, que recebeu R$ 21.029,79 do Ceperj em 5 de maio. Ela chegou a atender o telefone. No entanto, ao saber que se tratava da reportagem, não respondeu mais.

Já no acumulado de saques ao longo dos sete primeiros meses deste ano, mostrou reportagem do UOL, o jornalista Fabrício Manhães Cabral foi o campeão no maior volume de retiradas: R$ 122,8 mil de janeiro a julho. Ao UOL, ele disse que foi indicado por um vereador de Campos dos Goytacazes, mas não soube explicar o que fazia no Ceperj. A fundação, em nota, disse ao site que Cabral é “superintendente de projetos”.

De acordo com a planilha de ordens de pagamento, no entanto, outras pessoas também sacaram mais de R$ 100 mil no acumulado de janeiro a julho. Com R$ 114.149, Elizabeth Valle Viana Paiva foi a segunda que mais recebeu. Segundo destaca a ação civil pública do MPRJ, ela é engenheira civil que ocupa cargo efetivo na Fundação Departamento de Estradas de Rodagem (DER).

"A possibilidade de contratação por Recibo de Pagamento Autônomo – RPA também pode ser utilizada como burla à vedação constitucional à acumulação de cargos públicos, como pode ser exemplificado" pelo caso da servidora pública, afirma a petição inicial do MP.

Há 35 anos como funcionária da Fundação DER, ela disse ao GLOBO, no entanto, que não acumulou cargos, uma vez que estava gozando de licença-prêmio e férias atrasadas. Elizabeth explicou que dava consultoria num estudo para o desenvolvimento do Observatório de Mobilidade do Rio de Janeiro.

— Não tenho nenhuma indicação política. Tenho 35 anos de serviços prestados ao estado. Comecei como auxiliar técnico, me tornei engenheira e cheguei a ser presidente do DER. Minha vida pública sempre foi correta. Estou reunindo os documentos para apresentar ao Ministério Público — disse a engenheira, que entrou com o pedido de aposentadoria.







fonte: Extra