segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Seis meses da tragédia em Petrópolis: a dor de quem quer a chance de sepultar um parente


Seis meses após as chuvas que provocaram a morte de 234 pessoas na cidade, caminhar por algumas áreas atingidas - como a Rua dos Ferroviários e a Servidão Frei Leão, na região do Morro da Oficina - é como pisar sobre a história de centenas de pessoas. Brinquedos, talheres, sapatos e outros pertences dos antigos moradores ainda estão espalhados por toda parte, misturados a toneladas de escombros. A ruína de uma cozinha, com o pote de alimento ainda sobre a mesa traz a sensação de que o tempo parou de repente naquela tarde de 15 de fevereiro. Esta é a sensação descrita por parentes de três pessoas que ainda estão na lista de desaparecidos, a de que o tempo está parado no dia da tragédia. “Uma ferida que não fecha”, como descreve Rafaela Braga, mãe do menino Pedro Henrique Braga, de 8 anos. “Uma dor que não tem fim”, nas palavras de Adalto Vieira da Silva, pai do jovem Lucas Rufino, de 21 anos... “Uma dor e uma angústia que continuam sem resposta”, no relato de Jaqueline Noronha, sobrinha de Heitor Carlos dos Santos, de 61 anos, que também estava em um dos ônibus arrastados pela enxurrada.


Entre as três histórias, a mais emblemática talvez seja a de Lucas Rufino, que foi soterrado na região do Morro da Oficina. A família afirma ter encontrado o corpo nos escombros, retirado e entregado às equipes de resgate do Corpo de Bombeiros, mas o IML não confirmou a identificação. Adalto lembra que em meio ao temporal do dia 15 de fevereiro, saiu de casa com a esposa e a filha de 6 anos, deixou as duas em um bar na entrada da servidão e voltou à casa da família para buscar Lucas. Os dois saíram para buscar um lugar seguro e no caminho, Lucas foi arrastado pelo deslizamento de terra e pedras que desceu do Morro da Oficina.

“Ele estava comigo; Ouvimos um estrondo e começamos a correr... de repente, senti como um empurrão... a barreira passou e levou o Lucas. Desci correndo desesperado para contar à minha esposa o que tinha acontecido, mas quando cheguei, o bar também estava destruído. Ela e minha filha foram encontradas abraçadas”, conta. O corpo de mãe e filha foram sepultados nos dias seguintes à tragédia. A família afirma que menos de 24 horas após o deslizamento, o corpo de Lucas foi encontrado por parentes e vizinhos, retirado e entregue aos Bombeiros, mas no IML, a informação é de o corpo do rapaz não estava entre os identificados.

“São pessoas que conheciam bem o Lucas e que não iriam se confundir. Meu filho tinha mais de 1,90m de altura. Como é que pode o corpo dele sumir assim Eu só quero ter o direito de dar um enterro ao Lucas. Ele sempre fez tudo por mim e eu não pude dar um enterro a ele. Eu só quero saber o que aconteceu com meu filho, dar um enterro a ele”, diz Adalto, que levou o caso à Defensoria Pública.


A angústia pela espera de resposta também é vivenciada por Rafaela Braga, mãe do menino Pedro Henrique, de 8 anos. Desde março ela espera pelo resultado de um exame de DNA, que pode identificar o corpo do filho. Pedrinho também está entre os desaparecidos. Mãe e filho estavam em um dos ônibus arrastados pela enxurrada na Rua Coronel Veiga do dia 15 de fevereiro. A coleta de material para o exame de DNA aconteceu em março, quando um corpo com características de um menino foi encontrado no Rio Piabanha, há quase 10 quilômetros do local em que os ônibus afundaram nas águas. Mais de quatro meses depois, o resultado que pode por fim a dolorosa espera da mãe permanece sem prazo para sair.

“É uma ferida que não fecha. Só quero conseguir dar um enterro digno ao meu filho. Lembro todos os dias dele em cima do ônibus gritando por socorro e do momento em que o ônibus afundou e que a enxurrada levou o Pedrinho. A água estava turva... eu pensei que fosse morrer também”, conta Rafaela, explicando que a informação que recebeu é de que a demora no resultado do DNA ocorre porque apenas um laboratório faz a análise do material no estado.

A Polícia Civil informou que o tempo para o resultado de exame de DNA está diretamente ligado a variáveis do cruzamento de materiais genéticos e à complexidade do estado dos cadáveres e despojos.

Segundo a polícia, o corpo localizado no rio estava em fase de decomposição avançada, tendo grande parte esqueletizado. Após exames, foi colhido material para perfil genético e comparação com familiares de Pedro Henrique Braga.

A polícia ressalta ainda que devido ao material em decomposição, o Instituto de Pesquisa e Perícias em Genética Forense (IPPGF) está realizando análises na tentativa de obtenção de perfil genético que permita a identificação da vítima e assegure a real condição de confronto com o material colhido dos familiares.

A instituição reforça que todas as vítimas liberadas foram identificadas por meio de métodos cientificamente comprovados.

Sobre o caso de Lucas Rufino, a polícia informou que até o momento, não foi comprovada a entrada do corpo no Posto Regional de Polícia Técnico-Científica (PRPTC) de Petrópolis. A nota destaca que “outro cadáver, com características físicas semelhantes às dele e que foi resgatado na mesma localidade, pode ser fruto do mal-entendido. Gilberto Martins foi reconhecido por meio de exame papiloscópico e liberado para a família”, diz a nota.

A nota da polícia diz ainda que “De acordo com a 105ª DP (Petrópolis), a bermuda usada por um familiar - que alega ter retirado o corpo de Lucas do local da tragédia - foi entregue à Defensoria Pública, que confrontou o material com o sangue de familiares, tendo resultado negativo”.

Ainda sobre o caso de Lucas Rufino, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro informou que “todos os corpos resgatados pelo Serviço de Recolhimento de Cadáveres, após as fortes chuvas que atingiram Petrópolis em fevereiro, foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) da cidade”.

A nota frisa que “a corporação segue à disposição caso haja novas informações e/ou solicitações relacionadas ao evento. A operação de buscas segue no nível de atuação por demanda, em que as equipes são deslocadas para a procura no terreno sempre que houver apontamentos de indícios das vítimas, seja no Morro da Oficina (setor Alfa) ou na área dos rios da região (setor Delta)”.

A corporação informa, ainda, que na ocasião atuou em 100 pontos de buscas simultâneos, contou com cerca de 60 cães farejadores e realizou buscas numa área equivalente a mais de 10 hectares (100 mil metros quadrados), com apoio de drones e helicópteros e maquinário de escavadeiras, retroescavadeiras e caminhões. O Corpo de Bombeiros RJ também percorreu mais de 40 km de rios em busca de vítimas, envolvendo em toda a operação, mais de 3.500 militares.