(Foto: Ralph Braz | Pense Diferente) |
Em meio a uma nova onda de Covid-19 – marcada pelo aumento do número de internações e mortes – aos impactos da pandemia sobre a economia – com aumento da inflação e corrosão do poder de compra do consumidor – às tradicionais contas de início de ano, como IPVA e IPTU, e o habitual esvaziamento da cidade durante as férias escolares, comerciantes de Campos lutam para manterem seus negócios. Demissões, suspensão temporária de contratos, redução de carga horária de funcionários, mudança de fornecedores e diminuição da frequência de reposição e variedade do estoque são algumas das medidas que podem evitar o fechamento de portas. Importantes corredores comerciais do Centro acumulam pontos fechados e shoppings viram o fim de um número importante dos negócios que hospedavam. A situação é descrita como “calamitosa”.
A avaliação é do comerciante José Leone Mothé, proprietário da loja Kayana Jeans, que funciona há 19 anos no Campos Shopping, no Centro. Ele afirma que o setor de vestuário enfrenta sua pior crise. “Antes, tínhamos cinco ou seis meses de recessão. Agora, enfrentamos uma crise que já dura quatro anos e foi agravada pela pandemia”, avalia José Leone, que completa: “Hoje, trabalho com 20% do faturamento. No dia em que entram cinco ou seis clientes na loja, temos que comemorar”.
Para equilibrar as contas, José Leone precisou cortar despesas. Fechou uma segunda loja que mantinha no mesmo centro comercial, enxugou a equipe e aderiu ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, reduzindo a carga horária dos três funcionários que decidiu manter. Contudo, a decisão do Governo Federal de suspender, no final do ano passado, tanto a medida quanto o auxílio emergencial para trabalhadores informais e de baixa renda traz preocupação.
“Piorou para o cliente, que mesmo sem trabalho, tinha alguma coisa para gastar, e para nós, que dependíamos do governo para manter os funcionários”.
Proprietária das lojas de roupas infantis Algodão Doce, Kariny Machado, também teme pelos efeitos do fim do auxílio emergencial. Ela afirma que o setor vem sentindo a redução do valor pago aos beneficiários de R$ 600 para R$ 300, em outubro do ano passado, e que a suspensão total do chamado coronavoucher pode representar um novo golpe no caixa das lojas.
“O auxílio emergencial fez o dinheiro circular no comércio e aumentar o consumo, e ajudou a manter a economia girando, apesar da pandemia. Mas, desde dezembro, temos sentido os reflexos da diminuição do benefício. Agora, o fim da medida pode trazer novas dificuldades”, diz Kariny.
Há quase 16 anos atuando no comércio, ela precisou lançar mão dos mesmos expedientes que José Leone para manter suas duas lojas funcionando. Demitiu cinco de um total de sete funcionários, reduziu a carga horária dos outros dois, trocou fornecedores e reduziu a compra de mercadorias.
“Tive que fazer um levantamento e identificar os produtos que são mais vendidos ou que podem ser mais interessantes para a atual realidade. Sem festas e com o convívio social limitado, decidimos apostar em itens mais funcionais e de uso diário. Preferimos produtos de boa qualidade, mas com menor custo, e reduzimos a margem de lucro para garantir a oferta de bons preços”, explica.
Mesmo assim, durante o lockdown imposto pela Prefeitura no primeiro semestre do ano passado, sentiu que poderia fechar as portas permanentemente. “Quando você se vê diante da situação de não poder trabalhar, você surta. Nada parou. As contas não pararam. Mas você tem que parar. Foi muito difícil. Achei que não conseguiria reabrir nem uma loja, quanto mais as duas”, confessa.
Janeiro difícil
Kariny conta que a reabertura aconteceu de forma gradual. Primeiro, a unidade localizada na avenida Pelinca, e depois, a instalada no Shopping Avenida 28, quando centros comerciais voltaram a funcionar. Meses depois, porém, a luta para se manter no mercado continua, em um período tradicionalmente ruim para o comércio local, já que o verão e as férias escolares acabam levando parte importante da população para o litoral.
“Nossa cidade tem o ritual das pessoas irem para a praia em janeiro. Mas, este primeiro mês de 2021 foi assustador. Nem durante o lockdown, quando trabalhamos a portas fechadas, apostando principalmente no delivery, vendemos tão pouco”, revela a comerciante.
Janeiro tem sido um mês difícil também para quem depende da educação. Normalmente, a volta às aulas aquece as vendas do setor, o que não aconteceu este ano. Proprietário da livraria Ao Livro Verde, o empresário Ronaldo Sobral afirma que a situação é um “desastre total”.
“Nosso prejuízo foi enorme, como o de outros setores considerados não essenciais — e é absurdo que livrarias não sejam consideradas essenciais durante um período de isolamento social”, opina.
Localizada no Centro de Campos, a livraria é a mais antiga em atividade no Brasil e tem na venda de material didático parte importante de seu faturamento. Porém, Ronaldo relata dificuldade para contatar fornecedores.
“Quando a Prefeitura ordenou o fechamento das lojas, em março do ano passado, havíamos acabado de renovar o estoque para o início de 2020. Então, ainda tinha muito material do ano passado, de forma que temos mantido uma estratégia de compra muito disciplinada, para adquirir somente aquilo que é necessário. Mas, as editoras têm mantido seus funcionários em regime de home office, o que tem dificultado bastante nosso contato. É uma luta surreal”, desabafa.
Lockdown e atividade remota
Ronaldo aposta na sobrevivência da Ao Livro Verde, que completa 177 anos em 2021, mas teme um novo lockdown após o carnaval. “Meu medo é haver um novo surto e ser necessário fechar novamente. Com as portas fechadas, nossas vendas acabam sendo irrisórias, pois o cliente quer ver o material”, garante.
Leonardo Henriques é proprietário da Lupemaq, empresa que atua na venda de máquinas de costura e de malhas e presta serviços de bordado eletrônico. Ele afirma que a adoção do home office e a suspensão do ensino presencial diminuíram a demanda por uniformes de empresas e escolas, o que refletiu diretamente em seus negócios.“Minhas vendas de equipamentos e matéria-prima caíram 35% e a terceirização de bordados, 70%”, conta.
Para manter as contas em dia, abriu negociações com o banco, demitiu quatro funcionários e suspendeu os contratos de trabalho de outros dois. “Mesmo assim, está muito difícil. Sofremos com a situação do comércio na pandemia, sofremos com a Internet. A gente trabalha, trabalha, trabalha e sofre”.
Shoppings relatam fechamento de diversas lojas
Um dos impactos deste quase um ano de pandemia foi o fechamento de lojas em shopping centers, que permaneceram fechados, por determinação da Prefeitura, durante três meses no primeiro semestre de 2020 e novamente por sete dias em janeiro deste ano.
De acordo com Davi Pontes, síndico do Campos Shopping, pelo menos 10 negócios instalados no centro de compras encerraram suas atividades de forma permanente nos últimos meses.
“O longo tempo fechado fez os lojistas contraírem dívidas, que não conseguiram saldar com o movimento tímido que registramos após a reabertura. Eram despesas trabalhistas, dívidas com fornecedores e contas de consumo. O impacto foi muito negativo e complicou a situação do empresário, que continuava a fechar o mês no vermelho e não conseguia quitar esse passivo. Junte isso à diminuição de compra da população e a situação fica realmente difícil”, explica.
Já no shopping Avenida 28, cinco lojas fecharam as portas. Segundo o superintendente Marcelo Coutinho, o movimento — e consequentemente as vendas — caíram em torno de 50% durante a pandemia. O cinema fechado em razão dos protocolos de segurança sanitária também colabora para a redução da circulação de pessoas no centro de compras.
“Os comerciantes ainda temem um novo fechamento. Durante o lockdown, muitas lojas optaram pela venda on-line, mas essa é uma estratégia que funciona melhor para marcas mais conhecidas. Mas, os negócios locais ainda precisam da vitrine. As lojas reduziram a reposição de seus estoques. Passamos a trabalhar em um turno e meio, ao invés de dois, e temos mantido o shopping fechado aos domingos e feriados para evitar encargos trabalhistas”, revela.
Ambos os centros comerciais vêm investindo para garantir o cumprimento das medidas sanitárias impostas pela Prefeitura e apostaram na redução do condomínio para ajudar a manter a viabilidade dos negócios que abrigam. Tanto o Campos Shopping quanto o Shopping Avenida 28 afirmam que novas lojas foram abertas durante o período, mas a avaliação geral é de que não é possível prever prazo para uma recuperação plena.
Fonte: Terceira Via