(Foto: reprodução) |
De pronto, o editor desta página faz a ressalva que há tempos havia pautado matéria para destacar o trabalho de larga abrangência social do mosteiro localizado na rua Marechal Floriano, ao lado do Jardim São Benedito. Não sabia nem mesmo que se chamava ‘Mosteiro da Santa Face’, também conhecido como Sagrada Face.
Isso porque, desde sempre por ali trafegando, via com frequência que pessoas desamparadas, obviamente na faixa da extrema pobreza, faziam fila para o almoço gratuito. Horas mais tarde, nova fila se formava para o lanche.
Nada a ver com o coronavírus, mas, como já dito, de observação de longa data. Afinal, não há como passar por ali em determinados horários e não ver o grupo de pessoas à espera de comida.
Contudo, particularmente em virtude do Covid-19, o texto se torna mais oportuno, tendo em conta que a importância do trabalho das irmãs junto aos pobres cresce de forma exponencial. Afinal, quem já enfrentava dificuldades em época de “normalidade” (normalidade com aspas, visto que nada há de normal para quem passa fome), fica ainda mais vulnerável e desprotegido em tempos de isolamento.
Em dias de portas fechadas, de contaminação e de todos com medo de todos, a quem pedir? Onde buscar ajuda? As interrogações são gigantescas, como ainda mais gigantesca mostra-se a dedicação e o desprendimento dessas freiras em favor dos desassistidos.
Eufemismo à parte, a definição “larga abrangência social”, feita início do texto, não se conecta com a realidade. O que as irmãs fazem é matar a fome de quem não tem como ou onde comer. É, em última análise, impedir que dezenas e dezenas morram de fome – como de fome morrem milhares Brasil afora, consequência de um País onde a corrupção corre solta e a desigualdade é cenário comum, ampliando a realidade perversa que contabiliza uma minoria cada vez mais rica em detrimento de uma imensa maioria cada vez mais pobre.
Há 20 anos, de segunda a sábado, café às 7hs, almoço meio dia e lanche às 16
Para rotina tão exaustiva, que inclui aprontar e servir o café da manhã às 7 horas – e não apenas café, mas café, pão, bolo, etc –, almoço a partir das 12 e farto lanche às 16, praticamente sem descanso, todos os dias exceto domingos, esperava-se que algumas dezenas de freiras cumprissem o trabalho sobremaneira árduo. Mas não. São apenas nove freiras, incluindo a madre, Maria da Encarnação.
Carinho e dedicação que salvam vidas, num exemplo extraordinário de amor ao próximo, de solidariedade e de sensibilidade para com os que vivem à margem de tudo e sequer têm o que comer. Exemplo, acima de tudo, de humanidade.
Dia-a-dia – Vale lembrar, a ‘trabalheira’ não se limita à comida oferecida – o que já seria muita coisa – mas, também, à feitura de salgados variados e tortas, confecção de toalhas bordadas e pintadas, produtos de artesanato, lembranças de primeira comunhão em papel vegetal e subscrição de convites de casamento em letras que são verdeira obra de arte.
É com a venda desses produtos, mais as doações, que as irmãs conseguem fazer as compras de alimentos para dar de comer para aproximadamente 150 pessoas/dia – dependendo da época, mais – sem qualquer burocracia. Não há cadastro ou exigência de espécie alguma. As quentinhas são servidas aos necessitados, e ponto. Não interessa a religião, cor, idade; se são ou deixam de ser moradores de rua, catadores de papel ou desempregados. Se estão lá, são alimentados.
Trabalho incansável – No Mosteiro, o dia começa bem cedinho. Às 4 da manhã acordam e fazem as orações. Às 5, iniciam os preparativos para o café e logo emendam no almoço. Depois, um breve descanso até o lanche das 16, seguido dos afazeres internos.
O almoço disponibilizado em embalagens de isopor é o mesmo que as irmãs comem. Só que elas, as freiras, comem depois. Comida de qualidade, servida também para pessoas amigas que visitam o Mosteiro. Tudo preparado com muito cuidado e carinho, na cozinha super limpa e organizada, sob o comando das irmãs Maria Regina, Terezinha e irmã Assunção.
Meio século de história
Tudo começou em 1970, quando foi desativado o convento de Belo Horizonte onde as freiras estavam instaladas. Após passagem por Diamantina, aceitaram convite do então bispo de Campos, Dom Antonio de Castro Mayer, e vieram para cá.
Há cerca de 20 anos quatro pessoas bateram na porta pedindo comida. Depois subiu para 12 e aí o número só foi crescendo. Com o fechamento do Restaurante Popular, passaram a atender 120 pessoas e hoje os beneficiados são em torno de 150. As freiras do Mosteiro da Santa Face fazem parte da Congregação da Ordem Religiosa das Irmãs Redentoristas, cuja finalidade é rezar e fazer caridade, de acordo com o que prega o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, baseado nas obras de misericórdia.
Justifica-se, aí, o título da matéria, que reproduz trecho da música de Ivan Lins, ‘Bandeira do Divino’: Deus nos salve esse devoto / Pela esmola em vosso nome/ Dando água a quem tem sede /Dando pão a quem tem fome.
Em resumo, bom seria se todos seguissem o exemplo.
(*Encomendas ao mosteiro podem ser feitas pelos telefones 2722-4402 ou pelo celular 9.9826-2400)
Fonte: Terceira Via