Epicentro da tragédia de fevereiro - e depois de ocupar por dias os noticiários durante as buscas e resgates de vítimas - o Moro da Oficina, no Alto da Serra é, hoje, o retrato do abandono. O local é considerado a área mais atingida pelas chuvas por conta do número de vítimas. Dentre os 234 mortos e três desaparecidos pelos temporais de 15 de fevereiro, 93 corpos foram resgatados no Morro da Oficina. A localidade tem ainda um morador desaparecido: Lucas Rufino, de 21 anos. Às vésperas de completarem cinco meses do temporal, que deixou centenas de desabrigados e desalojados, moradores cujas casas resistiram, ainda convivem com o cenário de guerra nas Ruas Frei Leão, Osvero Vilaça e Morros dos Ferroviários. Assim como no caso da localidade Vila Felipe, nem mesmo serviços básicos como a limpeza para liberação de acessos e retirada de entulhos, chegaram a ser realizados. A localidade tem dezenas de ruínas e escombros por toda parte. A recuperação da área é de responsabilidade da prefeitura. No local, pode-se ver o pouco que foi feito em ações que se restringiram a parte de baixo, na área próxima ao BNH do Alto da Serra.
"Domingo passado foi a primeira vez que consegui voltar lá. Eu estava bloqueada. Perdi nove pessoas da família: um neto de cinco anos, minha filha de 19, quatro sobrinhos, um bebê de 17 dias, minha sogra, minha cunhada e a minha segunda mãe, que correu da casa dela para se abrigar na minha. É muito descaso com a nossa dor. Até agora não foi feito nada lá, nada! Limparam a parte de baixo, pintaram o muro do BNH e os postes na semana passada, mas, no restante da comunidade nada foi feito", desabafa Cristiane Gosso da Silva, que tinha uma casa de três andares, com boa estrutura na Rua Frei Leão.
"Foram 23 anos para construir minha casa e ela foi devastada pelo deslizamento da encosta em segundos. Pior do que perder a casa é ter pedido as pessoas. Meu neto, minha filha, tantos parentes e amigos... éramos uma família aqui...É muito difícil ver o descaso com que estamos sendo tratados. É uma insensibilidade com a nossa dor. O Morro da Oficina está abandonado. Tem muito entulho, muita coisa lá em cima para descer e até agora nada foi feito. Nós pagávamos impostos. Precisamos saber como vai ficar a nossa situação. É o mínimo que podemos receber ", destaca.
A mesma sensação de desalento e incerteza é relatada pela enfermeira Sueli Alcântara, que perdeu cinco sobrinhos soterrados na tragédia. Ela conta que ainda está pagando um empréstimo usado antes da tragédia para fazer melhorias na casa, que não foi destruída, mas, está interditada.
"Tem horas que fico tão triste com tudo isso. Nós pagávamos IPTU, água, taxa de incêndio, tudo certinho. Estou pagando a prestação do empréstimo e nem morar lá eu posso. Quero muito poder recuperar a minha casa, mas, para isso é preciso retirar uns entulhos que ficaram em volta e que são da casa de um vizinho que caiu. Quando a máquina foi lá (durante as buscas) ainda quebrou duas ou três colunas da minha casa. Eu gostaria muito de poder ajeitar a minha casa e voltar pra lá, mas aí precisaríamos da ajuda da prefeitura. Queria muito saber quando eles irão lá retirar todo aquele entulho", questiona lembrando que sob os escombros ainda há geladeiras, fogões, armários, caixas d'água e demais pertences dos antigos vizinhos.
"Perdi cinco sobrinhos ali. A gente olha pra lá e dá pena. Uma tristeza enorme de ver aquilo tudo abandonado. Até hoje não sabemos o que os nossos governantes pretendem fazer, o que vai ser da nossa vida", conta em tom de desalento.
O irmão de Sueli, Antenor Alcântara também aguarda. "Minha casa ficava no terreno da antiga companhia Ferroviária, pagávamos nossos impostos e após a tragédia não apareceu ninguém aqui para ajudar a gente. O que se vê é isso aí... tudo abandonado", desabafa Antenor Alcântara, que morou durante 63 anos no local. Ele perdeu nove pessoas da família na tragédia.
As histórias de perdas, dor e inconformismo com a demora na resposta das autoridades se repetem entre os moradores. Alex Conde, morou no Morro da Oficina por 43 anos. Ele perdeu o filho, um irmão e amigos, um deles com quem trabalhava em uma estamparia que foi destruída pelo deslizamento.
"Minha casa está aqui e eu não posso morar porque está tudo interditado e nem acesso nós temos. Em março, teve a missa de um mês pelas vítimas. Muitas autoridades estavam presentes, mas, a verdade é que o tempo está passando e ninguém mais voltou aqui. Ninguém fala o que vai ser feito. A gente precisa de uma resposta. Todo dia a gente chega aqui e vê essa destruição", relata, questionando a demora da resposta do poder público.
"Como que vai ficar a situação das pessoas que perderam as suas casas? Como vão ficar as casas que estão aqui? Eu venho aqui duas vezes por semana ver minha casa e não vejo ninguém trabalhando. Estamos largados. Estamos no sofrimento, esperando alguém que venha nos ajudar. Perdi um filho de 18 anos, meu irmão e mais um amigo que trabalhava com a gente. Os impostos sempre foram cobrados, sempre foi pago, o carnê chegava todo ano, a gente sempre pagou certinho. Agora queremos uma resposta: o que será feito?", questiona.
O Diário questionou a prefeitura em relação aos problemas apontados pelos moradores e ao andamento das ações na região do Morro da Oficina, mas até o fechamento desta edição o município não enviou respostas.
Fonte: Diário de Petrópolis