terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Petrópolis: Justiça determina bloqueio de R$ 2 bilhões para recuperação de áreas atingidas

(Foto: Ralph Braz | Pense Diferente)

O titular da 4ª Vara Civel de Petrópolis, juiz Jorge Luiz Martins Alves, determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões do Estado para a realização de obras e intervenções de recuperação de áreas atingidas pelos temporais que causaram a morte de 242 pessoas, deixaram dois desaparecidos, além de um prejuízo estimado em R$ 665 milhões à economia de Petrópolis em 15 de fevereiro e 20 de março. Na cidade, que tem um triste histórico de tragédias, ainda - ainda há mais de 130 pontos afetados que não receberam nenhum tipo de intervenção preventiva quase 10 meses após as catástrofes do início do ano. As áreas críticas foram mapeadas pelo Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro – DRMRJ. Os laudos técnicos do órgão do Estado embasam 26 ações civis públicas da Primeira Promotoria de Tutela Coletiva do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Nas ações, a promotora de Justiça Zilda Januzzi cobra a realização de obras para minimizar os riscos a famílias em diferentes pontos da cidade. Em decisão liminar, o juízo declara “bloqueada a quantia de R$ 2 bilhões do saldo existente na Fonte de Recursos 145 do Orçamento do Estado do Rio de Janeiro”.

O documento destaca que o valor está disponível, conforme verificado em apurações do Grupo de Apoio Técnico ao MPRJ que apontou a existência de R$ 4,3 bilhões disponíveis nesta conta (Cedae) – recursos que legalmente podem ser utilizados em ações de resposta a situações de catástrofe, como a que ocorreu em Petrópolis.

Para que a determinação seja cumprida, o juiz declara que o secretário Estadual de Fazenda assume o status de “Fiel Depositário”, ressaltando que “não bastassem as sanções específicas, eventual conduta tendente ao descumprimento do que aqui está afirmado, eclodirá multa de R$ 100 mil”, consta da decisão. O juízo estabelece os prazos de 45 dias para que seja concluída a fase introdutória ou fase preliminar, e de 300 dias para a efetiva execução dos serviços.


Mais de 130 locais sem obras

Entre os mais de 130 locais apontados pelo DRM mais de 17 pontos estão na região da Castelânea. Os laudos pontuam também diferentes pontos afetados no Caxambu – situação que se repete em bairros como Vila Felipe, Chácara Flora, Rua 1º de Maio, Servidões Frei Leão e Ferroviários – estas duas ultimas na região do Morro da Oficina, onde 54 casas foram destruídas e 93 pessoas morreram soterradas no dia 15 de fevereiro e onde nem mesmo os escombros foram retirados 10 meses após a tragédia.

Entre os locais apontados nas ações do MP está também o bairro São Sebastião, onde um morador morreu no mês passado ao cair em um barranco com cerca de 30 metros quando passava por um trecho afetado em uma servidão de acesso a algumas casas – situação de risco existente em outros pontos do bairro, bem como em outras localidades apontadas nas 26 ações do MPRJ.



Ações foram discutidas em audiência especial em outubro

Assunto foi discutido em audiência especial realizada em outubro na 4ª Vara Cível com a presença do MP, representantes do Estado, do Município e moradores de áreas afetadas. Na decisão o magistrado cita “o sereno, ponderado, sincero e doído “grito” de socorro” exclamado pela moradora Cristiane Gross, emocionalmente dilacerada pela perda de nove parentes”. Nas palavras do magistrado “A todos emocionou ao final da Audiência Especial, a manifestação da moradora do Alto da Serra, no entorno do epicentro da tragédia “que experimentou, não, experimenta, a perda de sua filha, neto, sogra, cunhada e quatro sobrinhos, entre esses um neonato de dezessete dias e a babá do neto. Urge destacar que em momento algum a emocionalmente dilacerada Cristiane foi apelativa, em momento algum postulou qualquer benefício, em momento algum foi incisiva na identificação de culpados pelo que aconteceu!!”, destaca o magistrado, que cita parte do relato da moradora.

“Eu não culpo ninguém...eu culpo pela tragédia...ontem eu voltei lá... 8 meses e não foi feito, doutor juiz, nada. Nós fomos 93 mortos, nós fomos o epicentro da tragédia...40% das mortes que aconteceram em Petrópolis no dia 15 de fevereiro, foi atrás do BNH, na Frei Leão - nove da minha família... e se o sr. chegar lá hoje, se o sr, quiser um dia ir lá, esta do jeito que aconteceu no dia 15 de fevereiro... ai eu pergunto por quê esse descaso Nós não somos um ponto turístico; nós não somos interessantes... Nós não somos dr... é por isso que não é interessante... Não foi movida uma folha ali atrás... 54 casas devastadas, 93 mortos... eu falo para todo mundo, nós fomos o epicentro da tragédia e nós fomos abandonados pelo poder público... não foi movida uma folha consta do relato da moradora Cristiane, que perdeu nove parentes soterrados na Servidão Frei Leão, na região do Morro da Oficina. “O turista não passa por ali para ir à cidade o senhor entende...”, desabafou a moradora.


Justiça estabelece prazos para ações do Estado e do município

Na decisão, a Justiça estabelece que “a Secretaria de Infraestrutura e Obras - Seinfra, realize intervenções estruturais que tenham por objetivo a mitigação de riscos geológicos, potenciais e remanescentes, materializados com escorregamentos e deslizamentos nas áreas referenciadas na ação.

O juiz estabelece ainda que a Secretaria Estadual de Assistência Social disponibilize o aluguel social de forma ajustada com a Secretaria Municipal de Assistência Social de Petrópolis. A Secretaria de Defesa Civil e Ações Voluntárias do município, deverá realizar todos os procedimentos necessários à identificação dos imóveis alcançados por atos administrativos demolitórios, localizados no entorno da área/logradouro onde serão realizadas as intervenções estruturais pleiteadas pelo Ministério Público e admitidas na deliberação. “Neste rumo, jamais deslembrando da compulsória observância das normas administrativas, princípios legais e constitucionais, os gestores, principal e secundário, não podem ignorar a sistemática que versa sobre a instrumentalização do poder de polícia”, pontua o juiz

A Secretaria Municipal de Assistência Social será responsável por cumprir os procedimentos para a remoção de pessoas residentes em imóveis localizados na área de risco. Tão logo a Secretaria de Assistência seja informada pela SMDCAV sobre os imóveis que serão demolidos, ou indicados à demolição, deverá adota r medidas para “conhecer o perfil social e econômico de cada grupamento familiar, suas peculiaridades, ressaltando que o propósito é lograr efetivar, no momento oportuno, a remoção dos cidadãos para equipamentos de acolhimento e/ou abrigamento públicos e/ou privados, adequados às impositivas práticas de preservação da dignidade humana, bem como prover todos os meios que se revelem necessários à obtenção do benefício eventual (aluguel social)” - , o que deverá ser feito de forma integrada com o Estado. A medida deve ser adotada em até 45 dias, a partir da intimação dos respectivos secretários.

A Secretaria Municipal de Obras e/ou a COMDEP, tão logo informada pela SMDCAV e SMAS que as medidas foram adotadas deverá realizar as demolições, “sempre atenta às normas que regem o empreendimento, sobremodo àquelas que estejam na ambiência da segurança de coisa e pessoas”, aponta o magistrado que estabelece neste caso o prazo de 15 dias contados do primeiro dia após o fim do tempo estabelecido às Secretarias de Defesa Civil e de Assistência Social.

“Certo que estamos inóspito território das cominatórias positivas, mesmo crédulo que as deliberações serão cumpridas menos por ser comando judicial, e mais, muito mais, porque refere-se à criação de sistemas de proteção à nossa cidade e ao povo petropolitano, fixarei multas para eventual conduta refratária dos gestores secundários. Assim, fixo em R$ 50 mil a multa automática a desfavor dos titulares da SMDCAV, SMAS, SEAS e da SEINFRA”, consta da decisão.


Estado e prefeitura ainda não forma notificados

Questionada, a prefeitura informou que ainda não foi notificada pela Justiça.

Em nota a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) informou que o Estado ainda não foi notificado pela Justiça sobre o assunto. “Ainda assim, o Governo do Estado esclarece que as obras nas ruas citadas já estavam previstas no cronograma de investimentos para a recuperação de Petrópolis. A previsão é que as licitações sejam publicadas nas próximas semanas”.

A nota destaca que a Secretaria de Infraestrutura e Obras já investiu mais de R$ 255 milhões em obras emergenciais e prevê mais R$ 144 milhões em outros projetos, como contenção e drenagem nas Ruas 24 de Maio, Nova e Teresa, que já estão em fase de conclusão e serão entregues no próximo mês.

“O município também vem sendo contemplado por obras de recuperação da canalização na Av. Washington Luiz, com 84% delas já concluídas; contenção e drenagem nas Ruas Conde D’Eu e Olavo Bilac, que já chegaram a 35%; e também na Avenida Portugal, onde 99% do trabalho já está pronto; além do trabalho de contenção da Rua Pedro Ivo, que atingiu a marca de 92% concluída. “A obra de reforma estrutural, requalificação do fluxo hidráulico, desobstrução e desassoreamento do Túnel Extravasor também acontece a todo vapor o projeto já apresenta 60% de conclusão e tem a previsão de ser entregue na segunda quinzena de fevereiro”, pontua o Estado.

O Estado informou ainda que “além de todas essas intervenções preventivas, a Seinfra também vem realizando grandes investimentos em habitação com a reforma de quatro conjuntos habitacionais por meio do Programa Casa da Gente. São eles Rayane Aparecida; Moacyr Padilha; Sérgio Fadel e Castelo São Manoel”.