A repercussão dos protestos em Cuba reativou uma disputa ideológica entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que, na avaliação de cientistas políticos, vinha sendo evitada pelo petista e pode atrapalhar os esforços por uma aliança ampla contra o atual governo. Segundo especialistas, enquanto Lula procura resgatar diretrizes de política externa de seus dois mandatos, a “retórica da Guerra Fria” alimentada por Bolsonaro se alinha à postura mais rígida adotada atualmente pelos Estados Unidos e por países europeus aliados contra o regime cubano.
A falta de posicionamento por ora de presidenciáveis que tentam construir uma “terceira via”, como Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB), é vista por analistas como sinal da dificuldade de calibrar um discurso alternativo às visões adotadas pela direita e pela esquerda. Enquanto a primeira defende a queda do poder do Partido Comunista cubano, encabeçado por Miguel Diáz-Canel, por classificar o regime como autoritário, a segunda culpa o embargo comercial dos EUA por problemas econômicos e políticos de Cuba.
“Fratura momentânea”
Bolsonaro, que costuma atribuir a adversários a pecha de “comunistas”, escreveu em suas redes sociais na segunda-feira que a população cubana “corajosamente pede o fim de uma ditadura cruel que por décadas massacra a sua liberdade”. Os protestos contra Canel, sucessor de Raúl Castro, ocorreram em meio a registros de falta de medicamentos e de alimentos em algumas cidades, atribuídas pelo governo cubano a bloqueios mantidos pelo presidente Joe Biden.
Na terça, em suas redes, Lula minimizou as acusações de repressão dos protestos pelas forças de segurança cubanas, responsabilizou o embargo pela escassez de insumos e disse que “os problemas de Cuba serão resolvidos pelos cubanos”.
Em nota que prega “apoio e solidariedade incondicionais ao povo e ao governo de Cuba”, a direção do PT lembrou que apenas EUA e Israel se manifestaram a favor do embargo na última deliberação sobre o tema na ONU, em junho — Brasil, Colômbia e Ucrânia se abstiveram —, enquanto 184 país votaram contra. A nota foi criticada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que acusou o PT de usar Cuba como “modelo”.
— Uma face da oposição a Bolsonaro que congrega direita e esquerda é a reação a projetos autoritários. Essa postura do PT e de Lula cria uma fratura momentânea na tentativa de uma frente democrática brasileira, o que beneficia de certa forma o presidente — avaliou o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe.
Para Lavareda, embora a política externa seja um tema de menor repercussão eleitoral, o apoio ao regime cubano “devolve circunstancialmente Lula à esquerda”, na contramão de acenos recentes feitos pelo ex-presidente a setores do empresariado e ao que chamou de “direita civilizada”.
Historicamente, Lula e o PT sempre evitaram classificar Cuba como “ditadura” e fizeram manifestações de apoio a Fidel Castro, que comandou o governo cubano por cinco décadas e morreu em 2016. Bolsonaro, embora tenha feito elogios, quando deputado, a regimes autoritários no Brasil e na América Latina, votou contra o fim do embargo americano em 2019 alegando que Cuba é uma “ditadura, então tem que ser tratada como tal”. O presidente também pressionou pela retirada cubana do programa Mais Médicos.