A Vila das Sete Casas, no Mangalarga, que existe há quase 80 anos, é uma das comunidades ameaçadas pelos mais de 300 processos de demolições de moradias que ficam às margens da BR-040. Mais de 50 deles já tiveram as ordens expedidas, estão sem prazo, e podem ser cumpridas a qualquer momento. No início da pandemia do coronavírus, os processos, que correm na Justiça Federal, chegaram a ser suspensos, mas nos últimos dias os moradores voltaram a receber as cartas com as ordens de demolição.
Na Vila, cinco casas estão com processos, sendo duas já com ordens de demolições expedidas. É o caso da família da Adriana Rocha, que mora com o companheiro e dois filhos e não tem para onde ir. “Recebi um papel na semana passada pra eu sair de casa. A minha casa já tinha até sido marcada pra jogar no chão, ai começou a pandemia e não aconteceu. A situação agora está na mão de Deus, eu nem consigo dormir mais. Já tive um AVC, não tenho mais saúde. Estão acabando com o nosso psicológico. A casa pode ser demolida a qualquer momento. Não sabemos o que fazer, não temos pra onde ir. Falaram que levam a gente pra um abrigo. É um absurdo”, desabafa ela.
Alguns moradores da Vila das Sete Casas, que tem esse nome porque a comunidade começou exatamente com sete famílias, chegaram ao local na época da antiga ferrovia e muitos ainda guardam carnês antigos de IPTU do tempo em que o trem passava pelo local. Hoje, a comunidade conta com cerca de 50 famílias, a maioria parentes. Lá, uma casa já chegou a ser demolida.
Outro morador que também pode ter a casa destruída a qualquer momento é o porteiro Gilberto de Mello. Ele mora na comunidade há 30 anos, assim como outros familiares. “Minha mãe é idosa, toma remédio controlado, tenho um irmão especial, isso em um pedaço do terreno, que é onde passava o trem. Ao lado também mora o meu irmão, com cinco filhos, um deles com autismo. A gente mora aqui há 30 anos, mas tem gente que mora há 70. É uma covardia, em meio a uma pandemia, o país em crise, querem tirar as pessoas do seu teto”, explica.
O porteiro também lembra que o local não deve ser tratado como invasão. “Nós temos energia elétrica, internet, rede de esgoto, iluminação pública. Não é uma invasão. Recebemos a ordem no dia 07 pra desocupar o imóvel. Mas não vamos sair. É um absurdo isso, uma injustiça. Tem gente já passando mal, sem conseguir dormir. Estão mexendo com ser humano. Estamos numa faixa que não tem perigo”, completa.
Questionada sobre o assunto, a Concer, que administra a rodovia, informou que “o assunto diz respeito ao poder concedente, que determina tais ações na faixa de domínio da rodovia. Aspectos contratuais apenas relacionam a Concer na questão”.
O Diário também questionou a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que não respondeu até o fechamento desta edição.
Já a prefeitura, disse em nota que “por meio da Procuradoria Geral do Município e Coordenadoria Especial de Articulações Institucionais, está atuando junto com o CDDH, em busca de alternativas jurídicas para impedir a demolição dos imóveis. Ainda no início do ano, o governo interino se reuniu com representantes da entidade e uma nova reunião com o prefeito interino Hingo Hammes está sendo agendada com uma comissão de moradores. Adicionalmente, a Secretaria de Obras, já fez contato com o CDDH para estabelecer as prioridades para a atuação do órgão, no que se refere aos estudos relacionados a faixa de domínio.
Entendendo a importância da medida, que pode ser decisiva para interromper as ações de despejo e demolição de imóveis já existentes ao longo da BR-040, o governo interino sancionou a lei 8.111/2021 e trabalha na regulamentação da mesma, de forma a submeter a pauta ao Conselho Municipal de Revisão do Plano Diretor e de suas Leis Complementares (CRPD). É importante lembrar que legislação municipal não se sobrepõe à legislação federal, sendo certo, portanto, que a redução da faixa de reserva não edificável da BR-040 é válida apenas para construções até 2019”.
Outras comunidades também sofrem com o problema. A dona de casa Solimar Azevedo também tem perdido as noites de sono sem saber o que fazer. A casas dela e da família ficam na comunidade do Contorno. “A minha casa está com o processo correndo, mas a da minha mãe a advogada nos informou que essa semana o papel da justiça vai chegar e vai ter 60 dias pra minha mãe sair. Ela tem 84 anos, não consegue mais dormir direito”, frisa.
CDDH divulga carta pedindo ajuda
Na última semana, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) divulgou uma carta alertando para o problema e pedindo para que as pessoas ajudem e apoiem as famílias pelo “direito à moradia, à segurança, ao teto durante a pandemia (saúde). Não podemos permitir a retirada de nenhuma casa, sem que a família tenha alternativa de moradia garantida. Assim como garantir as margens da rodovia livre é considerado direito pela justiça federal, o direito à moradia não pode ser negligenciado”, diz um trecho da carta.
Os processos para a demolição de moradias nas margens da BR-040 estão correndo há mais de 15 anos. São mais de 300 famílias que correm o risco de ficar sem ter onde morar a qualquer momento. Os processos são individuais, movidos pela Vara Federal contra famílias vulneráveis.
De acordo com o CDDH, os mais de 300 processos não significam apenas 300 moradias. São casas germinadas que abrigam diversas famílias e o impacto será em mais de 2 mil pessoas.
“Porém, as casas cairão uma a uma, sem grande repercussão, causando o dano aos poucos, mas em largas proporções, gerando ainda mais caos na situação habitacional da cidade. A BR pede socorro de agentes políticos, jurídicos, de comunicação, artísticos”, diz outro trecho da carta.
Fonte: Diário de Petrópolis