domingo, 22 de maio de 2016

Contínuas ameaças sobre patrimônio da cidade

(Foto: Tércio Teixeira)
No início da última semana, o presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (Coppam), o jornalista e professor Orávio de Campos, denunciou ao Ministério Público a destruição da fachada da Fazendinha do Dr. Mery Fernandes, que aconteceu no dia 14 de maio. O patrimônio, construído em 1916 e localizado no Turfe Clube, está em processo de tombamento e conservava arquitetura eclética do início do século passado.

Em visita ao imóvel do advogado Mery Fernandes, Orávio, junto a João Pimentel, representante do Instituto Histórico e Geográfico de Campos no Coppam, constatou os danos causados à construção. Foram desfigurados os elementos decorativos, janelas, portas, platibanda e sacadas. No dia seguinte, após a ida dos representantes do conselho ao MP, o presidente notificou a família proprietária e aplicou multa de 500 Uficas, equivalente a R$ 45.048. O valor será destinado ao Fundo Municipal de Cultura (Funcultura).

— Estamos buscando o amparo legal junto ao Ministério Público, porque, em tese, a cidade tem suas leis, e elas não podem ser denegridas pela arrogância e pela má fé dessas pessoas inconsequentes — declarou Orávio, que, dias antes do fato, participou de uma audiência sobre a delimitação da área da Fazendinha. Consta na ata que “o ato de tombamento do imóvel está ocorrendo dentro do prazo específico”. Não havia autorização legal para a descaracterização da fachada.

Para o professor, escritor e ambientalista Aristides Soffiati, não há, no país, uma cultura de valorização do patrimônio natural e cultural e, consequentemente, falta maior conhecimento sobre o valor dos bens.

— Não pode haver referência para o patrimônio em todo o Brasil. A referência das ricas igrejas das cidades históricas mineiras, de Salvador e de outras não serve para cidades com prédios mais simples. Cada cidade deve ter a sua referência. Talvez, por essa razão, julgamos não ter patrimônio natural a ser conservado, pois não temos a floresta amazônica. Também não temos ricos monumentos. Portanto, não temos nada a preservar — declarou.

Para ele, há interesses econômicos imediatistas que não se importam com nenhuma forma de patrimônio. “Creio que esse conjunto de razões explica o descaso da população e do poder público com a preservação. O proprietário da casa da Fazendinha se enquadra no perfil do brasileiro. Daí o vandalismo por vingança”, ressaltou. Quanto às políticas públicas voltadas para o cuidado com o patrimônio, o professor afirmou que, apesar de existirem, faltam recursos e interesses em aplicá-las. A resistência da população, principalmente em relação ao tombamento, também é um fator agravante.

Soffiati recordou-se de um desenho, hoje perdido, de Campos, feito por um naturalista alemão que conheceu a cidade em 1815 e se encantou com a coerência urbanística do município. A característica identificada pelo visitante, no entanto, não faz parte da realidade de Campos. Um exemplo dado pelo ambientalista é a avenida 28 de Março, tida como “um verdadeiro monstrengo”, com excesso de automóveis e ausência de espaços adequados para estacionar.

— Com a multiplicação deles (automóveis) circulando pelas ruas, o patrimônio arquitetônico passou a ser um obstáculo. Faltam locais de estacionamento. Então, os prédios de valor cultural são abandonados por seus proprietários. Com o tempo, eles se tornam uma ameaça à segurança pública. Aí, saem da alçada do setor de cultura e entram na alçada da secretaria de Defesa Civil. Campos se transformou numa cidade-garagem. Estou apavorado com isso. Se nenhuma providência for tomada pelo poder público, Campos desaparecerá. Só a conheceremos por fotografias. Como falar em turismo se destruímos os atrativos? — questionou.

As iniciativas de preservação, segundo Soffiati, têm sido insatisfatórias. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) também foram criticados pelo ambientalista por não protegerem, de forma adequada, os prédios tombados por eles.

— Quanto ao município, não tenho palavras. Precisaríamos, no mínimo, de uma secretaria de Cultura. Temos apenas um conselho, que não deve ter atribuição executiva. Embora o grupo que está no poder há quase 30 anos diga ter criado uma política cultural para o município, afirmo que os primeiros passos nesse sentido foram dados pelo prefeito Raul Linhares. Mas, como já afirmei, só política não basta. É preciso empenho em aplicá-la. Assim, os bens mais conservados dependem da vontade de seus proprietários — afirmou.











Fonte: Folha da Manhã