domingo, 30 de novembro de 2025

Confira as marcas deixadas por Dom Pedro II no Rio 200 anos após seu nascimento


Nascido no Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, em 2 de dezembro de 1825, Pedro de Alcântara — vamos nos limitar a um dos seus 16 sobrenomes — é de um tempo em que não havia smartphones. Mas graças a seu fascínio pela tecnologia, é que dispositivos básicos hoje em qualquer aparelho, como o telefone e o daguerreótipo (um precursor da câmera fotográfica), chegram até aqui. Duzentos anos depois, o Rio ainda convive com legados, do transporte à educação, de um imperador que assumiu o trono aos 14 anos e foi expulso do país em 1889, aos 63, com a Proclamação da República.

Antiga casa de um incentivador da ciência, o palácio em que nasceu Pedro II abriga atualmente o Museu Nacional, que perdeu boa parte de seu acervo em um incêndio, em 2018. Vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o espaço não tem exposições abertas no momento, mas mantém um centro de visitação voltado para estudantes.

— Essa é uma casa digna de um rei, muito bonita. Queria muito conhecer — observa a médica mineira Thamila Aguiar, de 29 anos, que “turistava” na Quinta e não pôde entrar no museu ainda em obras.


Enquanto não é entregue ao público — a previsão de reinauguração total é para 2028 — o museu tem um “guardião” à sua frente: uma estátua de Pedro II, com olhos voltados para a Alameda das Sapucaias. Durante a inauguração do monumento, em 1925, seu primeiro centenário, “grande foi a massa popular”, noticiou a edição vespertina do GLOBO em 2 de dezembro daquele ano.

Logo à frente da estátua, há exemplos de outras heranças do último imperador do Brasil: os jardins da Quinta da Boa Vista são projetos do paisagista francês Auguste Glaziou, contratado por Pedro II também para as reformas do Campo de Santana, onde ele e o pai foram aclamados, e do Passeio Público, no Centro.

Memória de família

Mas os livros de História e documentos oficiais não são as únicas fontes de conhecimento sobre o passado monárquico brasileiro. A representante de hotéis internacionais Tereza Lobo que o diga, já que, quando criança, ouviu da avó, Sylvia, relatos de dois de seus bisavós que conviveram com Pedro II. Um deles foi o engenheiro belga Luis Cruls, que ficou à frente do Observatório do Rio, instalado no antigo Morro do Castelo, no Centro.

— Dom Pedro gostava muito de ver as estrelas. Então, ele ia ao observatório, batia à porta e dizia: “Luis, Luis, aqui é o Pedro”. E ficavam conversando — diverte-se Tereza, que sente “muito orgulho” desse passado.

O outro bisavô foi João Teixeira Soares, responsável pela construção da Estrada de Ferro do Corcovado, que teve trecho inicial inaugurado em 1884 por Pedro II, que teria contratado o engenheiro, também responsável pela ferrovia Curitiba-Paranaguá (PR).

No ramo dos transportes, o imperador deu nome à atual estação Central do Brasil, inaugurada em 1858 como Estação do Campo, e à estrada de ferro que inicialmente ia do Centro até Nova Iguaçu. Com a República, o nome mudou para o atual, mas quem se apressa para comprar bilhetes para embarcar em um dos cinco ramais que saem dali se depara com um busto de Pedro que, assim como na Quinta, homenageia seu primeiro centenário.

O Centro ainda foi palco de dois episódios curiosos na trajetória do monarca lembrados pelo historiador Thiago Gomide, colunista do GLOBO. Foi no bairro que Pedro II sofreu um atentado a tiros (mal-sucedido), ao deixar o Teatro Carlos Gomes em 1889. Próxima ao Paço Imperial, na atual Praça Quinze (que também já se chamou Praça Pedro II), a então “pharmácia” Granado era frequentada por Pedro, em busca de remédios.

— Ele tinha problema no fígado — conta Gomide.

A vinda da Família Real para o Brasil, então colônia, em 1808, foi marcada pela criação de instituições como o Banco do Brasil e o Jardim Botânico. Em 1821, Dom João VI voltou para Lisboa, deixando o filho, Pedro I, como príncipe regente — responsável por proclamar a Independência no ano seguinte e se tornar imperador. Ele, no entanto, abdicou do trono em 1831, em favor de Pedro II, que tinha 6 anos. Graças ao Golpe da Maioridade, o imperador-menino assumiu o trono aos 14 anos.


‘Seu colégio’

Carioca, o último imperador do Brasil foi batizado na Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, na Zona Sul. Também deu nome ao Colégio Pedro II, referência de ensino até hoje. Fundada em 2 de dezembro de 1837, data de aniversário de 12 anos do imperador, a instituição teve o monarca como patrono, que marcava presença no “seu colégio” sem avisar, e até assistia a aulas. A primeira unidade, na Avenida Marechal Floriano, no Centro, teve dois dias de palestras na última semana para refletir sobre o papel do monarca na construção da identidade brasileira.

Ainda no campo da educação, o legado de Pedro se mantém com as chamadas “Escolas do Imperador”, construídas com fundos arrecadados para a construção de uma homenagem a Pedro II, que optou por usar a verba para construir oito escolas públicas. Cinco desses imóveis continuam de pé, com três ainda abrigando unidades educacionais: as escolas municipais Gonçalves Dias, em São Cristóvão, e Luiz Delfino, na Gávea, e o Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, no Largo do Machado.

Essa memória é contada em um dos capítulos do livro “O Imperador, a Cidade e a Província do Rio de Janeiro”, produção do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro (IHGRJ), que será lançado no Real Gabinete Português na próxima quarta-feira. João Carlos Nara Jr., um dos organizadores da obra, lembra que o atual Palácio Universitário, onde está instalado o campus Praia Vermelha da UFRJ, na Urca, abrigou o Hospício Pedro II. Erguido com subsídios do governo e empenho do imperador, o espaço foi inaugurado em 1852, e, assim como a Santa Casa de Misericórdia, ficava à beira-mar antes do aterramento da cidade.

— Isso transmitia uma ideia de higiene e de cuidado com a saúde da população (para quem chegava pela Baía de Guanabara) — analisa Nara.

O imperador também teve papel importante no reflorestamento da Floresta da Tijuca, com desapropriação de chácaras e fazendas do entorno. Mas, para isso, precisou de mão de obra escrava, triste marca que caracterizou boa parte de seu reinado.

— No que se refere ao incentivo à ciência, à cultura, vamos dizer que Pedro II teve um impacto muito positivo. Mas o Brasil, não podemos esquecer, foi o último a abolir a escravidão, depois de outros países como os Estados Unidos e até Cuba. Estamos falando de um país que demorou demais. Tanto demorou demais que a escravidão acaba em maio de 1888 e o Império acaba em novembro de 1889, de tão ligadas que estavam essas duas situações — avalia a historiadora Lilia Schwarcz, imortal da Academia Brasileira de Letras e autora do livro “As barbas do imperador”.


Cidade de Pedro

Expulso do país com a República, em 1889, Dom Pedro II morreu dois anos depois, em Paris. Na virada do século, no entanto, as comemorações do centenário da Independência (1922) e o primeiro centenário do próprio imperador (1925) fizeram com que o corpo fosse trazido ao Brasil. Atualmente, ele está na Catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis, a “cidade de Pedro”, que nasceu a partir de um decreto dele.

Normalmente, esse mausoléu fica fechado ao público. Mas hoje, em comemoração ao bicentenário, após uma missa pela alma de Pedro II, o espaço ficará aberto à visitação até as 17h.

Também em Petrópolis, o Museu Imperial — que foi casa de veraneio da Família Real — tem em sua exposição, por exemplo, a coroa de Pedro II, e prepara-se para a inauguração da mostra “Fale-me de Pedro – nas minúcias da memória” em homenagem ao aniversariante da semana. Serão expostas cadernetas restauradas de Pedro II e 67 desenhos de sua autoria, a partir de quinta-feira. Na mesma data, o público também voltará a ver o traje majestático de Dom Pedro II, que passou por reforma.