O histórico de repetidas tragédias que coloca Petrópolis em primeiro lugar entre os 92 municípios do estado em vulnerabilidade a desastres - como os que causaram 242 mortes no início deste ano - não tem sido suficiente para fazer avançar projetos para a construção de moradias populares na cidade. Apesar da existência de três terrenos desapropriados ou doados para a construção de moradias há mais de 10 anos, e de dados do IBGE que em 2018 já apontavam a existência de 72 mil pessoas vivendo em moradias que não estão seguras, projetos de habitação popular não avançaram e famílias petropolitanas irão passar mais um verão em áreas de risco e risco iminente – situação este ano agravada pelas condições críticas deixadas pelas chuvas de 15 de fevereiro e 20 março.
“Estamos há muitos anos nesta luta por moradias. Estou muito preocupada. As famílias estão voltando para áreas interditadas e vai morrer gente. A construção de moradias é fundamental para evitarmos situações como a que ocorreu em fevereiro no Morro da Oficina, uma área que estava dentro do mapeamento do Plano Municipal de Redução de Riscos. O município está em situação de calamidade, é preciso que haja investimentos do Ministério do Desenvolvimento Regional para incentivar a construção de moradias, para que as famílias sejam retiradas destas áreas críticas”, afirma Claudia Renata Ramos, presidente do Movimento União por Moradia e Aluguel Social.
A urgência de investimentos em moradias para remoção de famílias que vivem em áreas de risco é apontada por técnicos que têm percorrido as áreas afetadas após as chuvas do início do ano.
“Temos eventos extremos com uma frequência cada vez maior, ocorrendo em intervalos menores de tempo e com magnitude cada vez maior também. São eventos cada vez mais fortes e a extensão espacial destas áreas afetadas também é cada vez maior. Isso ocorre em escala global, mas estes eventos em Petrópolis são recorrentes”, destaca o geógrafo formado pela UFRJ e professor do Cefet, Fernando Pessoa, que integra o corpo técnico que acompanhou vistorias do MPRJ às áreas atingidas.
Neste contexto, o geógrafo ressalta a importância de RRD – Redução de Risco de Desastres, que passa por investimentos em habitação. “É preciso investimento em habitação adequada, principalmente por pessoas socioeconomicamente mais vulneráveis. A exposição ao risco em Petrópolis está muito associada ao relevo, que são os vales ocupados que tem enchente e inundações e as encostas ocupadas que tem os movimentos de massa, deslizamentos, corridas, quedas de blocos. É necessário diminuir a exposição ao risco e a redução da vulnerabilidade está diretamente ligada a moradia. Políticas habitacionais são prioridade em Petrópolis. É necessária a implementação de políticas habitacionais para as pessoas que moram nestas áreas críticas e também novos projetos na temática, uma vez que temos uma sociedade cada vez mais vulnerável aos perigos. Falta continuidade nos projetos implementados e é urgente avançar e eliminar os obstáculos existentes na política habitacional na cidade”, assinala.
Importante destacarmos que os riscos são sinalizados em estudos antigos referentes às condições da cidade. Levantamento feito pelo IBGE em 2018 apontou que 22.298 imóveis existentes em Petrópolis estavam em áreas de risco, e que 72.070 pessoas viviam em moradias que não estavam seguras. Também são expressivos os números que fazem parte do Plano Municipal de Redução de Risco de Petrópolis: 234 áreas de risco alto e muito alto, o que corresponde a 18% do território do município. Nestas áreas vivem cerca de 47 mil pessoas.
Terrenos disponibilizados há 11 anos ainda esperam por obras
Ao passo que os estudos apontam urgência para a realocação de moradores que vivem em áreas de risco, projetos para a construção de moradias populares não avançaram na cidade. Há 11 anos, três áreas foram desapropriadas com este objetivo: um terreno no bairro Mosela, um na região de Itaipava/Benfica e um no Vale do Cuiabá. Em 2013, outra área foi desapropriada, desta vez pela prefeitura, na localidade conhecida como Caetitu. Somadas as unidades previstas para cada um destes terrenos, são 1.028 moradias que abrigariam vítimas das chuvas, que não saíram do papel. Questionada sobre o assunto há alguns meses, a prefeitura disse que os terrenos estão sob a responsabilidade do Estado.
Indagado sobre os projetos, Estado informou que o terreno da Mosela teve projetos elaborados (arquitetura e complementares de engenharia) e aguarda aprovação e licenciamento por parte da prefeitura. Ainda segundo o Estado “a prefeitura alega uma suposta galeria de drenagem existente no terreno (sem qualquer comprovação, dimensões, extensão, profundidade e trajeto), sem qualquer comprovação”, diz a Seinfra em nota, que destaca ainda que a Secretaria realizou sondagens em diversos pontos no terreno, mas a galeria não foi localizada.
Em relação ao terreno do Vale do Cuiabá, a Seinfra informou que os projetos foram elaborados (arquitetura e complementares de engenharia) e que no momento o Estado aguarda aprovação e licenciamento por parte da prefeitura. Ainda de acordo com a Secretaria, “a prefeitura devolveu os projetos dizendo que estavam em desacordo com a legislação, solicitando que usássemos uma legislação de 1978, sendo que há uma de 2005”, consta da nota.
Sobre o terreno de Itaipava/Benfica, o Estado informou que este em fase de cumprimento de exigências junto ao DNIT, uma vez que o terreno possui testada para rodovia federal.
O Estado pontua ainda que em 2012 o município publicou Leis referentes a cada um dos terrenos, que foram declarados essas áreas especial de interesse social. A nota pontua que “entretanto, até a presente data não foram editadas e regulamentadas as diretrizes específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo, bem como, de parâmetros edilícios”, diz o Estado em nota.