(Foto: Carlos Grevi) |
Campista de certidão e sanjoanense de uma vida inteira, Carla Machado tem no currículo político um feito raro para qualquer um, e quase inédito para uma mulher. Prefeita de São João da Barra por quatro vezes, ela deixou de concluir o quarto mandato para disputar uma das cadeiras da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Janeiro (Alerj) nas eleições deste ano.
Em 2014, depois de concluir dois mandatos e eleger seu sucessor, Carla tentou ser deputada estadual, mas foi uma campanha confusa, já que, faltando pouco mais de 10 dias para eleição, teve finalmente seu nome confirmado. Mesmo assim, ela foi votada em 70 municípios fluminenses e beirou os 25 mil votos. Somente em Campos obteve 11.500 votos.
Nesta entrevista, ela fala sobre ser candidata pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e seu comprometimento com a educação, saúde, empregos e todas as esferas sociais, sublinhando o meio-ambiente. Carla deixou a Prefeitura com um caixa equivalente à dívida que herdou. Foi a sétima gestão pública mais bem avaliada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Foi uma gestão austera que recuperou a economia para enfrentar os dias difíceis impostos pela pandemia da Covid-19, onde seu município se destacou no atendimento aos acometidos pela doença – construindo um hospital só para esse tratamento – na vacina e nos protocolos de segurança.
Carla Machado intensifica o discurso das potencialidades da economia regional como forma de gerar empregos. Diz que não só no complexo portuário do Açu, mas também no turismo e no agronegócio. Parte da premissa de que são necessários equipamentos para capacitar a mão-de-obra regional, pois considera o desemprego um problema que exige total prioridade.
Você acaba de deixar a Prefeitura de São João da Barra, da qual foi a primeira mulher a se tornar prefeita e acumulou quatro mandatos. Agora é candidata a deputada estadual. Como deixou a Prefeitura para a sua xará Carla Caputi?
Creio que em uma situação bem melhor do que recebi do meu antecessor. Quando assumi, há seis anos, a Prefeitura tinha uma dívida de R$ 250 milhões. Focamos na reestruturação tributária, pois essa era a prioridade. Os investimentos estruturantes passaram a ser secundários, porque precisávamos antes arrumar as finanças e assim fizemos cuidando das receitas próprias, e batalhas judiciais para garantir os royalties de Roncador, na Bacia de Campos. Esses royalties eram reivindicados pelo Espírito Santo, mas conseguimos provar que, na verdade, pertencem a São João da Barra, o que beneficiou também São Francisco de Itabapoana, nosso vizinho e eterno irmão caçula.
Em números redondos, como você pegou e como deixou?
Bem, como disse, a dívida era de cerca de R$ 250 milhões, um absurdo. Os primeiros quatro anos foram de recuperação da nossa receita. Por ironia do destino, a recuperação da saúde financeira nos proporcionou superar os desafios impostos pela pandemia da Covid-19. Tivemos que investir pesado em saúde e educação nos dois anos de pandemia. Se neste primeiro momento não tivéssemos priorizado o saneamento das dívidas, não teríamos como enfrentar a pandemia e investir na educação remota. Mas respondendo em número redondo, eu deixei para minha sucessora em ativos exatamente o tinha recebido em passivo.
A pandemia então foi o momento mais difícil?
Em todos os aspectos. Envolvia a saúde e, por consequência, a educação das crianças fora da sala de aula, e queda na arrecadação. Felizmente já tínhamos feito os acertos e consertos financeiros necessários. São João da Barra foi um dos primeiros municípios do Rio a se credenciar para comprar a vacina emergencial do Butantã. Construímos um hospital somente para o atendimento de pessoas acometidas pela Covid. A cobertura vacinal ultrapassou a marca de 80%, e fomos rigorosos nos protocolos de segurança como as barreiras sanitárias na BR-356.
Você é professora de carreira. Como lidou com essa questão da educação no período da pandemia?
Eu fui secretária de Educação em São Francisco de Itabapoana, ao tempo em que ele era distrito de São João da Barra, ou seja, antes da emancipação. Então, sabia que a pandemia iria exigir investimentos em Saúde e em Educação quase que na mesma proporção. Compramos tablets para cada aluno da rede pública municipal e garantimos as aulas remotas com Internet gratuita. Fornecemos uma cesta básica para cada aluno da rede durante o período de pandemia. E na educação está a grande sequela desta pandemia e esse investimento continua sendo feito pela atual prefeita.
Educação será destaque em sua campanha para a Alerj?
Sim. Não apenas nas acertadas medidas no curso da pandemia. Minha vida política sempre foi credenciada pela educação. Foi no segundo mandato de prefeita reeleita que consegui trazer o Instituto Federal Fluminense (IFF) mudando a história da educação sanjoanense. Ao mesmo tempo, embora não seja atribuição do município, incluímos no leque de nossos programas sociais o Cartão Universitário, pagando cursos superiores para sanjoanenses em Campos e outras cidades. A inclusão digital de nossas crianças foi priorizada, atendendo a cerca de 10 mil alunos que ao longo curso da pandemia receberam cestas de alimentação, tablets com Internet e uma plataforma digital para ensino à distância.
Você vem candidata pelo PT, que exibe a empregabilidade como uma de suas principais bandeiras. Como você vê a questão de empregos?
Como o maior desafio de municípios, estados e do país. Todos se lembram que São João da Barra era considerada final de linha e que hoje é porta de entrada. A cidade ganhou fotogenia. Mudamos o perfil. Hoje muitos sanjoanenses continuam trabalhando em Campos, mas muitos campistas também estão trabalhando em São João da Barra. Nossas tratativas com o Porto do Açu focaram exclusivamente na geração de empregos e esse ano a segunda usina termoelétrica da GNA vai gerar cerca de cinco mil empregos. A primeira usina já gera energia para 6 milhões de residências e a segunda vai gerar para outras 14 milhões de residências no país, o que significa 17% da demanda nacional. Obviamente a receita de ISS do Porto e de suas empresas são fundamentais, porém a nossa grande alegria é a geração de empregos. Estava permanentemente ligada nisso na Prefeitura e como deputada terei a mesma postura. Quero ferramentas e equipamentos para capacitar as pessoas da nossa região para as oportunidades que vão acontecer. Não queremos apenas gerar expectativas. Queremos gerar empregos em proporção semelhante à que estamos hoje, no caso São João da Barra, gerando energia. A região tem potencial para isso, quer na questão portuária, turismo e agronegócio. Estou atenta a tudo isso.
Como prefeita você sempre foi muito bem avaliada, principalmente pelas urnas. Se houvesse segundo turno em SJB você teria levado no primeiro, nas quatro eleições. Como você se avalia?
Olha, na última eleição eu obtive 70% dos votos. Não tenho aquele discurso da primeira mulher a ser eleita prefeita do meu município, mas sempre governei priorizando o social e com austeridade. Hoje, o município tem um programa social que paga R$ 450/mês, atendendo a 50% da população. Mas tudo isso com austeridade, repito. São João da Barra foi considerado no ano passado o 7º melhor município do Estado e o 1° da região em gestão fiscal, segundo a Firjan. Investimento social com pé no chão. Foco na gestão fiscal para garantir as demandas sociais, sem gastar o que não pode. Tenho uma visão de mãe diante desta questão e não necessariamente uma visão feminista, embora essa bandeira também seja minha.
Não acha que foi modesta na autoavaliação, já que é considerada uma liderança regional, tendo várias vezes seu nome cotado, inclusive, para a Prefeitura de Campos?
Fico muito grata com essa distinção de liderança regional. O que posso dizer é que eu serei a única candidata do PT à Assembleia Legislativa na região. Eu sou campista e me mudei para São João da Barra jovem. Fui vereadora lá antes de me tornar prefeita. No Brasil são raros os casos de uma mulher ter uma sequência de mandatos no executivo. Isso certamente caracteriza uma liderança e é o que pretendo ser na Assembleia, representando a região, incluindo neste contexto todos os municípios. Na primeira eleição que disputei para a Alerj, eu fui votada em 70 municípios fluminenses, e foi uma campanha confusa, que me confundiu e confundiu o eleitor.
Explica?
Na verdade, não chegou a ser uma campanha. A Justiça Eleitoral apontava pendência na minha candidatura e quando liberou meu nome faltavam menos de uma dúzia de dias para a eleição. Mesmo assim, consegui perto de 25 mil votos. Em Campos, por exemplo, que é o maior colégio eleitoral do interior do Estado, eu tive 11.500 votos, o que é expressivo. Reconheço que é uma eleição difícil até mesmo pela polarização no cenário nacional que tem reflexos nas demais. Estou interessada no voto lúcido. Debato até uma agenda conservadora, desde que lúcida. É neste sentido que coloco o meu nome, destacando que sempre fiz política assim.
E a expectativa para esse ano?
Esse ano eu saio como candidata em igualdade de condições com os demais, com tempo para fazer campanha, diferentemente da eleição anterior. Venho por um partido forte, representando toda a região e com um currículo com mais resultados e mais madura politicamente. Estamos na fase da pré-campanha, começando a estabelecer os primeiros contatos. Uma agenda está sendo preparada e nela certamente estarão incluídos todos os municípios da nossa região. Vou percorrer cada um deles, saber os principais problemas. Quero conhecê-los bem mais profundamente e que as pessoas que moram nelas também me conheçam melhor. Isso é um comprometimento.
E sua identidade com o PT?
Se você observar a pauta do PT é a minha pauta antes da sigla. Eu priorizo Saúde e Educação. Priorizando isso, a gente resolve a questão da vulnerabilidade social e abre oportunidades iguais para postos de trabalho. Foi com Lula na presidência que eu como prefeita consegui levar o IFF para São João da Barra. No PT tenho grandes companheiros como o atual presidente da Alerj, André Ceciliano, que é candidato ao Senado. No PT estadual tenho como referência e grande amizade com Washington Quaquá, que foi prefeito de Maricá e hoje é vice-presidente nacional do PT. O Quaquá foi o mentor desta minha candidatura agora. Mas quero deixar claro que não sou adepta do palanque único, até porque não existe vinculação de votos. A minha candidatura é regionalizada e observando a agenda do partido. É exatamente neste contexto que insiro a minha candidatura, que friso, é regional.
Sobre esse discurso regional, tem alguns pontos de destaque?
Representar bem a região e seus anseios que são emprego, desenvolvimento, saúde e educação e, por consequência, a mudança do cenário social. Ainda somos uma região bem pobre e temos que inverter isso. A pauta é vasta, e tem um olhar que vem de longe. Um olhar, só a título de ilustração, de quem viu ser colocado o primeiro pilar de uma ponte ligando São João da Barra a São Francisco que até hoje não foi terminada. Na questão ambiental, para citar outro exemplo, quero sublinhar a sangria ao longo do Rio Paraíba do Sul, que provoca danos em São João da Barra, São Francisco e também ameaça Campos. Ao longo de seu curso, o Rio Paraíba do Sul vem tendo sua água captada sem critério, uma verdadeira transposição. Esse é o problema de Atafona, por exemplo. E esse problema vem se intensificando ao longo de cinco décadas. No meio-ambiente essa é minha prioridade, colocando esse tema no topo da agenda. O Estado do Rio de Janeiro tem que ter uma posição firme neste sentido. É uma pauta vasta e acho que a região precisa estar bem representada.
Gestões executivas muito bem avaliadas, e o que esperar de Carla Machado no legislativo estadual?
Tudo que eu me comprometi aqui. Vamos relembrar que meu primeiro mandato eletivo foi como vereadora de São João da Barra, onde também fui a primeira mulher a ser presidente da Câmara de Vereadores, o que me credenciou a ser a primeira prefeita. A boa legislação baseada em experiências próprias, sugestões, ouvindo o povo é algo que me encanta. Legislar em causa de todos. Isso é de extrema importância.
Fonte: Terceira Via