(Foto: Rafael Moraes/ Agência O Globo) |
Beco Isadir, bairro Angelim. Quinze quilômetros do Centro de São Fidélis, no Norte Fluminense. Entre o canavial e a fazenda explorados por Paulo Cesar Azevedo Girão, uma construção esconde um pequeno cômodo sem janelas e com telha de amianto. Do lado de fora da porta, um cadeado. Dentro, o cheiro forte de mofo. A alguns passos, um chiqueiro. Em frente ao quarto, Manoel Pereira Ferreira, de 75 anos — os últimos 30 dedicados à família Girão — segura seu bastão. Quase faz parte do cenário, como uma sombra dos anos em que ele e outros roceiros eram mantidos em cativeiro e tinham sua mão de obra explorada em condição que seria análoga à de escravo. Três foram libertados no último dia 26 de abril. A polícia agora apura a morte de pelo menos outros dois em 13 anos. Preso, o fazendeiro nega as acusações.
Manoel chegou às terras de Paulo Girão aos 45 anos e passou a trabalhar de sol a sol no canavial e na fazenda. Em três décadas, nunca recebeu um centavo. Perdeu os laços com os três filhos. A boca quase não tem dentes. Aos 69 anos, perdeu também a visão. Dois anos depois, parou de trabalhar, mas continua rendendo benefícios à fazenda: é o capataz do fazendeiro que recebe a pequena aposentadoria de Manoel. A exploração da mão de obra do canavieiro é considerada, pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Civil, situação análoga à escravidão. Para ele, é a única vida que conhece.
— Quando eu trabalhava, também não recebia. Só a comida só. Também não botei questão pra ninguém. Ele (Paulo Girão) me ajudou, me colocou no carro para operar a vista. Me davam o quarto pra dormir. Não faço questão de salário. Só saio daqui morto. Eu gosto deles. Me dão arroz, feijão, canjica e até carne.
Segundo o Código Penal, o crime (de redução à condição análoga à de escravo), entretanto, independe da consciência da vítima.
— O sucesso do trabalho escravo depende de o trabalhador não ter a noção da escravização. O trabalhador pode ser convencido de que está recebendo um ato generoso e bondoso — explica Ricardo Rezende, coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC) da UFRJ.
Fonte: Extra