quinta-feira, 20 de março de 2014

USO DA ÁGUA DO PARAÍBA POR SÃO PAULO AMEAÇA O INTERIOR DO RIO


(Fotos: Ralph Braz)
Um dia depois de o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pedir à presidente Dilma Rousseff autorização para captar água da bacia do Rio Paraíba do Sul, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio (Cedae) alertou para os riscos da proposta. De acordo com a área técnica da empresa, a captação no Rio Jaguari, um dos principais afluentes do Paraíba do Sul, provocaria reflexos no abastecimento de água de cidades do Sul e do Norte Fluminense, além de comprometer a irrigação de lavouras e aumentar a chamada língua salina, que já atinge a foz do rio, em São João da Barra.


A língua salina é o fenômeno natural de invasão da água do mar no curso do rio, que destrói as margens e aumenta a salinidade da água, impedindo o seu uso na agricultura. Na capital fluminense, a redução do volume d’água do Paraíba do Sul prejudicaria empresas de grande porte que fazem a captação direta do Rio Guandu. Entre elas estão a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), a siderúrgica Gerdau e a Termelétrica de Santa Cruz, todas na Zona Oeste do Rio.

A bacia do Rio Paraíba do Sul já abastece cerca de 15 milhões de pessoas, cerca de 8,5 milhões só na Região Metropolitana do Rio. Pela lei, em caso de crise no abastecimento de água, o fornecimento à população é prioritário. Como possui a outorga do uso da água, a Cedae detém a prioridade.

O projeto chegou a causar constrangimento entre o governador tucano e o do Rio, Sérgio Cabral. Alckmin afirmou que tinha o apoio do colega peemedebista para o projeto, o que foi negado pela assessoria de Cabral. O governador do Rio solicitou um parecer ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e ao secretário do Ambiente, Indio da Costa, “uma vez que se trata de demanda que exige análise técnica”, disse a assessoria de Cabral ao jornal O Globo. Mais cedo, segundo informações do jornal Folha de S. Paulo, Alckmin explicou que a obra de emergência deve durar 14 meses e consumir R$ 500 milhões.



O ambientalista Aristides Soffiati declarou ser contra o projeto.

— O rio já tem uma transposição de Guandu, que aconteceu nos anos 53 e 54. O rio não se recupera totalmente quando isso ocorre. Além disso, uma transposição provisória pode tornar permanente. Isso diminui o nível do rio e tira também o equilíbrio entre o rio e o mar. O prejuízo da foz é resultado do que acontece ao longo da bacia. Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro nos anos 90 mostra isso. Campos também sofre uma estiagem atípica que deve durar até outubro ou novembro. Se isso acontecer, vai diminuir muito o nível do rio. São Paulo tem que arrumar outro jeito — afirmou.

O procurador da República Eduardo Oliveira também se posicionou e lembrou que o Ministério Público Federal já expediu uma recomendação contrária às transposições: “O rio alimenta três estados que extraem economias dele. Isso não pode ser realizado sem ouvir os demais. A transposição causa danos, principalmente se não houver estudos e debates”, destacou.

A concessionária Águas do Paraíba, através de nota, informou que não há risco iminente de mudanças no quadro atual existente. “Após a criação da Agência Nacional de Águas (ANA), há seis anos, toda a estrutura de captação de água bruta e distribuição de água tratada foi regulamentada e está prevista no arcabouço legal vigente. Desta maneira, não é simplesmente porque São Paulo quer ou precisa de mais água que pode aumentar, por decisão exclusivamente própria, a sua captação, ao seu bel prazer e prejudicar outras unidades da Federação. Nem por decreto presidencial. Assim sendo, a questão de aumentar a captação para São Paulo, como para qualquer outro estado, é analisada criteriosamente e discutida profundamente, de acordo com fundamentos técnicos e jurídicos, na própria ANA e nos Comitês de Bacia Hidrográfica, cujas discussões tem sido acompanhadas de perto, pelo Grupo Águas do Brasil, do qual é integrante a concessionária Águas do Paraíba”.

Municípios contrários ao projeto paulista

A secretaria de Meio Ambiente de São João da Barra também se posicionou contrária à ação de retirada de água do rio Paraíba do Sul: “Caso isso se concretize, a vazão da foz do Rio vai ser reduzida em toda Bacia do Estado do Rio de Janeiro, ampliando os impactos negativos já existentes no município de São João da Barra, como o aumento da área de influência de salinização, assoreamento da foz e o avanço do mar. Além disso, o abastecimento de água em todo Estado vai ser prejudicado. Vale ressaltar também que esta ação não resolve em sua totalidade o problema do Estado de São Paulo e ainda prejudica a região do Estado do Rio de Janeiro abastecida pelo rio Paraíba do Sul”.

Também contrário se posicionou o secretário de Meio Ambiente de São Fidélis, Leandro Peixoto. Ele destacou que o projeto, caso se torne concreto, afetará em cheio a capital do Rio de Janeiro e municípios da região Norte e Noroeste: “Vai afetar principalmente a capital do Rio, porque tira água através do sistema Guandu. A água já não vem para a região com a força devida por conta das represas e agora mais isso”, explicou o secretário.



Fonte: O Globo/ Folha da Manhã